A CEO transgênero mais bem paga dos Estados Unidos (segundo a revista Forbes) tem uma ideia quase mórbida. Martine Rothblatt, idealizadora da Terasem Movement Foundation, quer coletar informações de quem contratar seu serviço para construir uma inteligência artificial “personalizada”. Com base em questionários e análise de interação social, os dados se transformam em arquivos. Em 20 ou 30 anos, ela aponta, a tecnologia permitirá recriar esta personalidade no ambiente virtual e incorporá-la a um corpo robótico altamente desenvolvido. E talvez até com um certo grau de consciência.
A ousadia não é pouca. Martine desafia a morte e, de quebra, os limites éticos do futuro da tecnologia, uma área em que ainda há muito mais perguntas do que respostas. Será que os robôs terão mesmo consciência algum dia? Qual o risco? Ou ainda, seria este tipo de serviço correto?
A despeito de declarações polêmicas de figurões como Elon Musk – mago da tecnologia que insistentemente aponta a IA Forte, o nome técnico deste campo de pesquisa, como “ameaçadora” –, a professora Mariana Furucho, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, defende que “dotar uma máquina com capacidade de tomar decisão é uma linha muito interessante e que auxiliará a humanidade”. Os riscos, segundo ela, já permeiam o radar da comunidade científica. “Existem, por exemplo, estudos de aplicar leis reais ao universo dos robôs. É uma lógica semelhante a como a nossa legislação vem se adaptando à internet. Se isso ocorrer algum dia [máquinas superinteligentes], teremos que estar preparados”, sustenta.
Uma das maiores especialistas em inteligência artificial no país, a professora Solange Rezende, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da USP em São Carlos, ainda é cética sobre máquinas realmente “pensantes” – sobretudo pelo fato de nem o homem conhecer de forma exata como se dá a sua consciência. “O ser humano tem várias formas de inteligência. Tem a questão emocional, a percepção, a intencionalidade. Na complexidade de nosso cérebro, a fala representa apenas 7% da comunicação. A máquina ainda está longe de se comparar ao cérebro humano.”
Se há um longo caminho até se criar máquinas conscientes, aquelas que imitam algumas de nossas formas de racionalizar estão aí. “Hoje há avanços no reconhecimento de expressões, no processo de identificação, há robôs que imitam sinais”, diz Solange. “Mas, com todas estas novas tecnologias, as questões éticas não são diferentes do que se tem agora. Você pode usar um drone para resgatar alguém que está se afogando ou para acessar um local atirando. Não foi o drone o responsável. O que devemos pensar é se a IA [inteligência artificial] é um anjo ou demônio. Prefiro pensar que é um anjo.”