A promessa do pré-sal não fará mais da Petrobras a principal locomotiva do crescimento econômico do país nos próximos anos. No novo Plano de Negócios de 2015 a 2019, que deve ser divulgado no dia 10 de junho, a estatal vai pisar no freio na tentativa de reduzir o seu nível de endividamento.
Projeção do BNDES
A retração dos aportes da Petrobras vai obrigar o BNDES a revisar para baixo a projeção de investimentos de R$ 909 bilhões na indústria de 2015 a 2018. “[O valor] pode ser reduzido um pouco”, reconhece o vice-presidente da instituição, Wagner Bittencourt.
Os investimentos vão oscilar de US$ 129 bilhões (R$ 387 bilhões) a US$ 141 bilhões (R$ 423 bilhões) no período, conforme dados da própria companhia. Será o menor nível de investimentos desde a crise global de 2008 e representará uma queda de até 41% em relação ao plano anterior, de 2014 a 2018, de US$ 220,6 bilhões (R$ 661,8 bilhões).
Meta de alavancagem
Na semana passada, em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, Aldemir Bendine, presidente da Petrobras desde fevereiro, disse que a empresa vai buscar um nível de alavancagem de 2,5 vezes. Para isso, terá que priorizar investimentos. “Temos previsão de US$ 25 bilhões a US$ 29 bilhões por ano para investimento nos ativos da companhia”, afirmou na audiência. Para 2016, a estatal prevê produção de 2,8 milhões de barris de óleo equivalente por dia. Na próxima sexta-feira (15), a Petrobras divulgará os resultados do primeiro trimestre .
O efeito, que será sentido por toda a economia e em especial na cadeia de fornecedores, vai afetar o nível de produção de petróleo: mais uma vez a companhia não conseguirá atingir suas metas, o que já vem ocorrendo desde 2003, no início do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Redução afetará toda a cadeia de fornecedores
A redução nos investimentos é vista, ainda, com preocupação pelos fornecedores da indústria. Segundo José Velloso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), a cadeia já sofre com a paralisia nos projetos da estatal. Velloso lembra que hoje os fornecedores têm R$ 400 milhões a receber de dívidas comprovadas das construtoras contratadas pela Petrobras.
“O volume de pedidos novos está quase zerado. Hoje, as companhias estão vivendo de reposição e manutenção de peças. Esse freio da Petrobras será muito ruim para a indústria nacional e para a economia como um todo, pois a Petrobras responde por metade dos bens de capital [máquinas] comprados no país. Como serão feitas encomendas se as refinarias estão paradas?”, questiona Velloso.
Regime de partilha
Para o professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EPGE) Aloisio Araújo, a redução de investimentos já é esperada. Araújo avalia que, por isso, o marco regulatório do regime de partilha para o pré-sal deveria ser reavaliado. Segundo ele, o conteúdo nacional previsto é muito elevado.
“É necessário rever o marco regulatório do pré-sal. O nível de conteúdo local elevado favorece a formação de cartéis. Obrigar a Petrobras a ser operadora em todos os blocos do pré-sal não faz sentido.” Procurada, a Petrobras disse que seu Plano de Negócios “está em elaboração e será divulgado em breve”.
O novo plano, que é aguardado com expectativa pelo mercado, vai priorizar ainda mais a área de Exploração e Produção (E&P), que ficará com 80% dos recursos, contra os 70% do plano anterior. Esse avanço vai na direção contrária ao segmento de refino, já que a estatal adiou a conclusão das obras do Complexo Petroquímico do Rio (Comperj), em Itaboraí (RJ), e da segunda unidade da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Segundo fontes, somente a conclusão do Comperj custaria mais R$ 5 bilhões, com a previsão de nova licitação para concluir os 14% restantes da obra, um processo que levaria, no mínimo, dois anos.
Obrigações contratuais
Assim, sem perspectivas de ter um aumento de caixa significativo, em razão dos preços dos combustíveis ou da venda de ativos, o corte nos investimentos foi a saída encontrada pela Petrobras para ter condições de cumprir com suas obrigações contratuais para os próximos anos. Até 2019, a companhia terá que arcar com R$ 643 bilhões de gastos com o pagamento de dívida e compromissos como a compra de gás natural.
Para Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), com menos investimentos, a produção de petróleo ficará estável nos próximos cinco a dez anos, sem o crescimento previsto anteriormente. Segundo ele, se a estatal investir US$ 25 bilhões por ano, US$ 20 bilhões em E&P não serão suficientes para novos projetos.
“A Petrobras não será mais aquela grande locomotiva que iria puxar o crescimento da economia e o Rio será o estado mais prejudicado, por concentrar maior parcela da produção de petróleo”, destacou Pires. “Se a Petrobras quiser reduzir seu endividamento, só se houvesse um “tarifaço” nos preços dos combustíveis, o que não vai acontecer, assim como a venda de ativos também será insuficiente.”
Recentemente, a diretora de E&P, Solange Gomes, disse que a empresa pode até vender parte de seus ativos exploratórios do pré-sal onde há “alto risco exploratório” com a busca de parceiros. Atualmente, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), a Petrobras tem participação em 14 blocos de exploração no pré-sal, no regime de concessão – dos quais está sozinha em cinco. No regime de partilha – no qual a União é dona do petróleo produzido– tem apenas a área de Libra, na Bacia de Santos.
Nível de endividamento é o “calcanhar de Aquiles” da companhia
Nymia Almeida, analista sênior da agência de classificação de risco Moody’s, afirma que o Plano de Negócios é essencial para entender a perspectiva da Petrobras a médio prazo e como a empresa vai se posicionar em relação à política de preços dos combustíveis nos próximos anos, já que os reajustes são controlados pelo governo. Ela se mostra preocupada com o recuo do investimentos, que vai passar “de uma média anual (até 2014) de US$ 35 bilhões a US$ 40 bilhões para US$ 25 bilhões a US$ 29 bilhões”.
“O futuro é difícil. O menor nível de investimento vai afetar sua geração de caixa e a produção, que talvez comece a ser afetada a partir de 2017, já que esses investimentos são de longo prazo. O desafio da empresa é cortar custos e gerar caixa suficiente para investir com os próprios recursos”, disse.
O endividamento da estatal, que já está dois níveis abaixo do grau de investimento pela Mood’y, com nota Ba2, também é visto com preocupação pela analista. Segundo ela, o nível de alavancagem pode chegar em 2016 a seis vezes – ou seja, a estatal precisaria de seis anos para pagar a dívida com sua própria geração de caixa.
A estatal fechou 2014 com um índice de 4,77 vezes e um endividamento líquido de R$ 282,1 bilhões.
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