O ex-presidente Lula, que tem defendido a demissão de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda e uma mudança de rumo na política econômica, representa hoje um grande risco para a economia brasileira. A definição é de Mailson da Nóbrega, que foi ministro da Fazenda nos últimos dois anos do governo Sarney.
O economista esteve em Curitiba na última terça-feira (20), para dar palestra em um evento da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Paraná e Santa Catarina (Fepasc). Em entrevista à Gazeta do Povo, ele disse que abandonar a agenda do ajuste fiscal e baixar os juros à força, como defendem Lula, o PT e muitos economistas, seria repetir o “desastre” da Nova Matriz Econômica. “Ela gerou boa parte dos problemas que estamos enfrentando. Por que funcionaria agora?”, questionou.
Segundo o ex-ministro, o grande desafio do país neste momento é estancar a sangria das contas do governo, e para isso a recriação da CPMF é fundamental. “É um imposto horrível, de que ninguém gosta. Mas é um mal necessário”, disse.
O senhor foi ministro da Fazenda no governo Sarney. O atual momento econômico tem alguma semelhança com o daquela época?
A economia brasileira está em situação muito melhor hoje, em vários aspectos. A única semelhança que eu vejo está na questão política, na dificuldade em aprovar medidas no Congresso. Mas, antes de ser presidente, Sarney carregava uma bagagem de mais de 30 anos de vida pública. Chegou ao cargo com vivência, tarimba e uma grande capacidade de articulação. A presidente Dilma é uma pessoa séria, honesta, mas não tem nada disso.
[A CPMF] é um mal necessário. É uma ponte para tirar o país desse impasse fiscal, sair da imobilidade, reduzir as incertezas e permitir algum crescimento em 2017 e 2018.
Em que medida a paralisia política afeta a economia?
O grande desafio de curto prazo está na área fiscal. E isso depende do Congresso. Se não chegarmos a um acordo, corremos um risco muito grande de sofrer seguidos rebaixamentos pelas agências de classificação de risco, o que seria péssimo para a economia. Não falo de perder o grau de investimento, porque é muito provável que percamos essa classificação de todas as agências, mas de cairmos degrau a degrau, até chegar a uma Argentina, que nem classificação tem.
Como resolver a questão fiscal?
Não há solução sem a aprovação da CPMF. É um imposto horrível, de que ninguém gosta. Mas é um mal necessário. É uma ponte para tirar o país desse impasse fiscal, sair da imobilidade, reduzir as incertezas e permitir algum crescimento em 2017 e 2018, porque já caminhamos para uma retração de cerca de 3% do PIB neste ano e de pelo menos 1% em 2016.
O que ocorre se a CPMF não passar no Congresso?
Sem ela, a economia caminha para estar em maus lençóis, para um quadro de dominância fiscal. Nessa situação, o Banco Central fica de mãos atadas no combate à inflação, porque uma alta de juros eleva o temor de uma piora adicional na área fiscal, e então o câmbio sobe mais, o que em última instância vai ter impacto na inflação. É uma situação em que a solvência do país passaria a ser muito mais questionada. Não há outra forma de conseguir os R$ 32 bilhões por ano que a CPMF pode trazer. Temos um movimento, encabeçado por lideranças empresariais, que é contra o aumento de impostos. É uma discussão saudável. Mas não se pode chegar ao ponto de ser contra tudo, contra toda e qualquer alternativa, na situação em que estamos, porque aí vira populismo.
Alguns economistas acreditam que o país já está sob dominância fiscal...
Eu acredito que não há elementos para se afirmar isso. Quem já esteve no governo sabe que não chegamos a essa situação. Mas eu diria que estamos caminhando para ela.
Não há como resolver a questão fiscal pelo lado do gasto?
Vejo muitos economistas sugerindo uma reforma na Previdência, que representa uma grande parte das despesas públicas. Eu concordo. Mas os resultados vão aparecer daqui a 30 anos. Da mesma forma, temos de promover uma racionalização dos gastos públicos, mas também é algo que leva tempo, que exige estudos e melhorias de gestão. E o Brasil tem um problema grande para resolver agora. E não conseguirá resolver apenas pelo lado do gasto, porque há uma rigidez muito grande. O Brasil é o país da meia-entrada e do direito adquirido. Desde a Constituição de 1988 fazemos uma marcha suicida rumo ao impasse fiscal. Hoje 90% do gasto é obrigatório, não tem como cortar.
Alguns economistas defendem que o país deixe o ajuste fiscal de lado e reduza os juros para estimular a economia.
Tem uns loucos pedindo para o governo repetir as medidas do primeiro mandato de Dilma. Que não funcionaram. A nova matriz macroeconômica foi um desastre, gerou boa parte dos problemas que estamos enfrentando. Por que ela funcionaria agora?
O Brasil é o país da meia-entrada e do direito adquirido. Desde a Constituição de 1988 fazemos uma marcha suicida rumo ao impasse fiscal. Hoje 90% do gasto é obrigatório, não tem como cortar.
O partido da presidente também pede essa mudança...
O ex-presidente Lula vem se manifestando contra o ajuste e tentando mudar a política econômica do governo, sugerindo o Henrique Meirelles para a Fazenda. Mas o Lula de 2003, com o Meirelles no Banco Central, reconheceu a necessidade de um ajuste e ignorou as reclamações do PT. O mercado percebeu que o que o PT falava era irrelevante, acreditou no ajuste e a economia se recuperou rapidamente. O Lula de hoje, no entanto, é contra o ajuste. O Lula é hoje um grande risco para a economia do país. Seguir a sugestão dele significa mudar a política econômica, o que implica a demissão do ministro [da Fazenda] Joaquim Levy. Usando uma frase do ex-presidente argentino Raúl Afonsín, existe ministro que é fusível. O Joaquim Levy é um ministro fusível. Se sair, cai o sistema e fica tudo no escuro. Será muito difícil achar alguém, com o talento e a credibilidade dele, disposto a segurar esse touro na unha. Se ele sair, as dificuldades de 2015 e 2016 vão continuar até 2017 e 2018, e aí, um abraço.
O senhor ainda espera um pequeno crescimento econômico em 2017 e 2018. De onde ele virá?
Vejo dois fatores: o setor externo e o agronegócio. De 2014 para cá, o real sofreu uma desvalorização que já chega a 70%. No mercado interno, já se nota uma substituição de importações, principalmente em bens intermediários, insumos. Em seguida, o câmbio vai se refletir em mais exportações. Não será suficiente para um grande crescimento econômico, porque o comércio exterior representa pouco mais de 20% do nosso PIB, mas será uma contribuição. E o nosso agronegócio é muito competitivo. Apesar da queda dos preços das commodities, ele deve crescer cerca de 20% até 2018.