Engana-se quem pensa que a má gestão dos recursos públicos que resulta no desperdício ou no desvio de um terço da arrecadação nacional de tributos, como mostra o estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) seja fenômeno recente no Brasil. Para o jornalista e escritor gaúcho Eduardo Bueno, autor de uma série de livros sobre a história brasileira, a corrupção e o desperdício do dinheiro do povo começaram assim que surgiu o setor público no país: em 29 de março de 1549, com o desembarque do primeiro governador-geral nomeado por Portugal, Tomé de Souza que, aliás, chegou à colônia como um remediado da classe média e voltou à metrópole na condição de milionário.
O primeiro Ouvidor-mor (equivalente a ministro da Justiça) do Brasil, Pero Borges, foi nomeado seis meses após ser condenado, em Portugal, por embolsar metade da verba destinada a um aqueduto cuja construção parou no meio. "Acredite ou não, naquela época as obras públicas eram interrompidas antes de terminar", brinca Bueno.
Já o Provedor-mor (ministro da Fazenda) Antônio Cardoso de Barros, era o responsável por administrar a verba que seria empregada na construção da futura capital, Salvador. Mas achou por bem destinar parte do dinheiro da coroa para construir seis engenhos privados de açúcar na Bahia. Salvador ficou pronta, mas a um custo quatro vezes superior ao previsto. Justiça divina ou não, o Provedor-mor ficaria mais famoso por sua morte trágica. Depois de denunciado pelo próprio Tomé de Souza, tomou o rumo de Lisboa em 1556. Mas o navio em que estavam Barros e o primeiro bispo do Brasil, Dom Pero Fernandes Sardinha, naufragou na costa de Alagoas. Eles escaparam vivos do naufrágio, mas não sobreviveram ao apetite dos índios caetês, que os devoraram.
Recorrer ao próprio passado mostra que a construção de Brasília, portanto, está longe de ser pioneira em estouro orçamentário mas não deixa de ser prova de que a roubalheira iniciada no século XVI jamais deixou de estar presente na história brasileira. "O Brasil tem repetido erros de forma intolerável simplesmente porque um povo que não conhece a sua história está condenado a repeti-la", diz Eduardo Bueno. "Se somos dessa ineficiência patética, se somos joguete dos donos do poder, é porque merecemos."