Nas palavras do presidente da Agência Nacional de Telecomunicações, João Rezende, a era da internet ilimitada chegou ao fim. No entanto, pelo menos no meio jurídico, a questão está apenas começando. Desde que as operadoras anunciaram a cobrança de franquias na banda larga fixa, o Marco Civil se tornou o centro da questão sobre a validade da mudança
O principal argumento é o Art. 7.º da lei de 2014, o qual estabelece o acesso à internet como algo essencial para o exercício da cidadania e que, portanto, não pode ser suspenso por nenhuma razão além de débito. “Não pagar uma conta é diferente de consumir uma franquia”, aponta o advogado e pesquisador do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Zanatta. “Não houve discussão. A Anatel passou a mão na cabeça dos empresários e disse que está tudo bem”.
Segundo ele, o argumento das operadoras e da agência é uma resolução do próprio órgão regulamentador que permite a alteração de contratos desde que o consumidor seja avisado com 30 dias de antecedência. “Mas o Marco Civil é uma lei federal e aí se aplica a hierarquia das normas: a lei fica sobre a resolução. É algo que você aprende no primeiro ano de faculdade”. Para ele, o problema é que o Marco foi simplesmente ignorado.
Outra questão que vai de encontro à mudança é a chamada neutralidade da rede, que determina que as operadoras não podem fazer distinção de conteúdo na hora de prestar o serviço. “Por mais que a franquia não faça essa discriminação, os efeitos são os mesmos”, explica o advogado José Antônio Milagre. “O que vai ser prejudicado vai ser o vídeo e o áudio, já que a pessoa não vai mais consumi-los para não gastar seus dados”.
Para Milagre, as empresas estão se aproveitando da tolerância do consumidor com as franquias impostas na telefonia móvel para fazer o mesmo com a banda larga. “Só que não se usa uma rede móvel com a mesma intensidade da fixa. A internet não pode ser tolhida. É uma afronta à dignidade e ao direito social do consumidor”.
Questão de interpretação
O problema é que essa neutralidade está aberta a outras interpretações. Assim como ela pode evidenciar uma tentativa de limitar o usuário, as empresas podem alegar que não houve distinção ou interrupção no serviço durante o período da franquia. Para o advogado Fernando Peres, essa é uma das falhas do Marco Civil, que trata de questões pontuais e deixa muitos pontos em aberto.
Mesmo que a lei não fale nada sobre franquias, ele destaca que não há brechas que justifiquem o modelo imposto pelas operadoras. “O Art. 9.º diz que a diminuição, limitação ou interrupção do tráfego só pode ocorrer em casos de exceção. De um modo geral, sendo intencional por parte dos provedores, essas atitudes ferem o Marco Civil da Internet, assim como o Código de Defesa do Consumir, no que tange a imposição de termos abusivos impostas aos consumidores”.
Para Peres, esse é um debate que certamente ainda vai se prolongar. “O Marco ainda está sendo construído. Então pode chegar um momento que ele negue ou autorize o uso de franquias. Mas, até lá, isso ainda vai render muitas brigas”, explica o advogado. “Até o ano que vem, muita coisa vai ser mudada”.
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