Promessa de serviço diferenciado e inovador, a Uber tem permitido a replicação de estratégias comuns a taxistas. Em São Paulo e no Rio, as duas maiores metrópoles do país, motoristas cadastrados no aplicativo estão criando “minifrotas”, sublocando veículos, fixando metas de rendimento semanal e cobrando lucros diários de condutores parceiros. Na Uber, um só motorista pode cadastrar quantos carros quiser, o que permite, por exemplo, a formação de frota sem limite de veículos.
A “terceirização” tem o aval e incentivo da empresa americana. Além de cobrar até 25% do valor de cada viagem, não estabelecer qualquer relação trabalhista e não exigir seguro do carro, a empresa não faz nenhum tipo de controle sobre o vínculo entre proprietários de veículos e locatários prestadores de serviço. O esquema de minifrota se assemelha ao modelo de dependência estabelecido entre donos de alvarás e taxistas, com uma diferença: na Uber, o proprietário do carro - e não do alvará - é quem dita as regras.
Em sites de classificados, há anúncios de contratação de motoristas. Cobram entre R$ 500 e R$ 700 por semana pelo “aluguel”, com ou sem contrato assinado. Há proprietários que pedem para fazer um teste de uma semana com o motorista interessado. O objetivo é checar se ele é “rentável”, ou seja, se trabalha horas o suficiente para trazer lucro.
Proprietários esperam também que o interessado já esteja habilitado na Uber - outros dispensam essa exigência. Multas, combustível e avarias ficam por conta do “terceirizado”, mas há casos de divisão de despesas também. O dono paga impostos do carro e a “manutenção preventiva” - há casos de cobrança semanal de 10% para a conservação do veículo. Até R$ 2 mil de caução são exigidos, em algumas negociações, por possíveis casos de avarias. Nos sites, há parceiros que procuram carro para alugar e oferecem pagamento de R$ 400 por semana.
Não há regras nem sequer um padrão de modelo de negócios, uma vez que cada proprietário de carro, que se torna um “empregador”, decide sobre gerenciamento de lucros e despesas com seus parceiros. Especialistas em trânsito e em Direito do Trabalho apostam em uma deterioração do serviço, o que pode afetar os passageiros.
“Não estipulo metas, mas eles têm conta para pagar e precisam tirar pelo menos R$ 3 mil por mês para conseguir algum lucro. Se antes trabalhavam dez horas, depois que a tarifa caiu (redução de 15% no ano passado) passaram a trabalhar 14 horas porque precisam, por necessidade”, explica um motorista da Uber de 56 anos, dono de uma minifrota com três carros e três condutores em São Paulo.
Ele conta também que não fez contrato nenhum e nega que a atividade seja de locação de veículo. “São pessoas do meu relacionamento e estão em parceria, não alugando.”
No caso de um motorista de 49 anos, que não quis se identificar, a parceria é com o filho de um amigo. “Se dependesse só do lucro do meu carro, não pagaria o financiamento do segundo veículo, por isso chamei outro motorista”, afirma. Ele também não fez contrato para firmar o serviço. Segundo o condutor, o lucro e a despesa semanal são divididos sem contar a taxa de 10% cobrada do parceiro para compra de óleo, troca de filtro e reposição de pneus.
Fantasmas
Motoristas da Uber no Rio têm enfrentado problemas semelhantes aos dos colegas taxistas, como pagamento de diárias e a concorrência do que chamam de profissionais “fantasmas”. De acordo com relatos, há pessoas ligadas ao aplicativo terceirizando a própria conta.
O Estadão apurou que o esquema consiste em mais de um carro circulando com o mesmo vínculo com a Uber. Ou seja, o motorista autorizado pelo sistema alternativo de transporte subloca sua licença, mediante pagamento de uma taxa.
“Tem gente colocando outro para trabalhar no lugar. Ou com mais de um carro na mesma conta. São os fantasmas. É complicado, porque começam a vir as reclamações. As pessoas deixam de confiar. Comecei trabalhando só com Uber Black, mas já tive de aderir ao Uber X porque o rendimento caiu”, diz um motorista que se identificou como Augusto, de 56 anos, referindo-se aos serviços de carros de luxo e o que aceita veículos mais populares.
Augusto trabalhava como motorista em uma multinacional do petróleo e foi demitido no ano passado, com a crise no setor. Com a indenização, comprou um Corolla, que equipou com geladeira portátil, para oferecer refrigerante e água aos passageiros. “No início, ganhava mais do que na empresa, mas isso mudou”, afirma. “Estou esperando a regularização. Tem de ter regras, como o motorista ter o carro no seu nome. Isso vai restringir a concorrência”, diz.
Regra
Se adotada, a exigência afastaria motoristas como Toni, de 39 anos. Ele dirige um carro alugado pelo qual paga R$ 2,4 mil por mês. “A Uber não se importa se você aluga o carro ou se o carro é seu. Eles dão o aplicativo, o suporte.” Animado com R$ 180 a R$ 300 que ganha por dia, na semana passada também publicou um anúncio em um site: “Assumo financiamento do seu veículo”.
“Meu nome está negativado. Não posso ter financiamento. Mas, se a prestação fosse de até R$ 1,5 mil, estaria valendo a pena”, afirma. Toni, porém, desistiu da ideia ao ser bloqueado pelo aplicativo por ter recebido notas baixas dos passageiros. “A Uber não te dá segurança. Se eu for excluído de vez, entrego o carro e vou procurar alguma coisa para fazer. Eles não dão chance para o motorista se defender. Nem sei o que fiz”, diz.
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