Quase nove em cada dez famílias curitibanas têm algum tipo de dívida. O índice de 87% é o maior do país e mantém a cidade parananense na liderança desde 2012, de acordo com os levantamentos realizados pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP).
INFOGRÁFICO: Conheça o perfil do endividamento do brasileiro
Na comparação entre as capitais do Sul, Curitiba também é campeã na proporção de renda comprometida com dívidas (31%) e na inadimplência (25%), conforme dados da 5.ª Radiografia do Endividamento das Famílias Brasileiras, com base em dados do Banco Central, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Confederação Nacional do Comércio (CNC) dos últimos três anos.
Curitiba foi líder nos rankings de 2012 e 2013, com 88% e 87%, respectivamente. Nos dados de 2014, Florianópolis também repetiu a mesma performance do ano anterior, e ficou em segundo lugar, com 85% das famílias catarinenses com algum tipo de dívida. Porto Alegre tem a terceira menor proporção do país, com 56%.
O Sul abriga 15,5% das famílias brasileiras e concentra 20,1% do volume de crédito do país. O nível alto de endividamento na região está relacionado ao perfil de renda da população e ao grau de risco dos empréstimos. “Há uma grande concentração de funcionários públicos e renda média alta no Sul. Esse perfil é bastante explorado pelo mercado financeiro, com oferta de linhas de crédito dirigidas ao funcionalismo, por exemplo. O risco menor, pela estabilidade de emprego, facilita o acesso a empréstimos e financiamentos, inclusive com taxas de juros menores”, explica o assessor econômico da Fecomércio-SP, Fábio Pina.
Monitorar o endividamento das famílias é importante para balizar políticas de mercado. Com nível alto de comprometimento, o potencial de consumo da população cai, o que pode levar à restrição de novas ofertas de produtos e serviços. O indicador também acende um sinal de alerta para os agentes financeiros, atentos ainda à inadimplência. “O operador avalia condições de expansão de linhas de financiamento, já bastante limitada, e começa a estudar políticas de reestruturação de crédito, pois o risco de atraso nos pagamentos pode crescer”, observa Pina.
Apesar do impacto na economia e na retração do consumo, contrair dívidas não tem, necessariamente, somente aspectos negativos. Desde que as taxas de juros sejam adequadas ao perfil do contratante, o endividamento pode indicar evolução de patrimônio, ainda que o brasileiro necessite de uma educação financeira mais eficiente.
A política de estímulo ao consumo, adotada nos últimos anos, com acesso mais livre ao crédito, afetou o caixa das famílias brasileiras. Sem suporte na educação financeira, grande parte do orçamento doméstico acabou comprometida em dívidas. “Com aumento de outros custos por causa da inflação, o pagamento das prestações é suspenso, gerando inadimplência, a grande vilã do endividamento”, avalia o empresário Leonardo Lopes, fundador da Cred Limp Consultoria, empresa de recuperação de crédito.
62% das famílias
Brasileiras estavam endividadas em 2014. A média nacional teve queda de um ponto percentual em relação ao ano anterior. Apesar da redução, o montante mensal das pendências pulou de R$ 16,4 bilhões para R$ 17,3 bilhões entre 2013 e 2014. A parcela média desembolsada pelas famílias teve aumento de R$ 1.886 para R$ 1.968. Na análise dos pesquisadores, a queda no nível de endividamento mostra maior cautela dos consumidores diante da incerteza da economia.
“Quem não sabe usar o cartão deve deixá-lo em casa”, diz especialista
Empréstimos pessoais, dívidas no cartão e cheque especial devem ter prioridade na renegociação.
Rafael Seabra, economista.
Vilões do endividamento doméstico, o cartão de crédito e o cheque especial devem ser mantidos sob controle. “São as dívidas mais caras que o consumidor pode contrair”, alerta o economista Rafael Seabra.
Na opinião do especialista, quem não sabe usar o cartão deve deixá-lo em casa. Isso evita o efeito ilusório de comprar sem alterar o saldo no banco, empurrando dívidas no curto prazo.
Para organizar o orçamento doméstico, Seabra insiste no registro formal dos gastos. “Pode ser em uma planilha, no bloco de notas do celular, num bloquinho no bolso ou em aplicativos. O importante é não confiar na memória ou em cálculos mentais”, diz. Arredondamentos também devem ser evitados para não mascarar despesas inexistentes.
A tarefa de controlar os gastos vai ajudar a identificar os ralos do dinheiro e, assim, saber quanto há disponível para renegociar dívidas. “Empréstimos pessoais, dívidas no cartão e cheque especial devem ter prioridade na renegociação”, diz. Quem está com orçamento no vermelho deve aproveitar o 13.º salário para liquidar pendências financeiras e começar o próximo ano com saldo positivo.
Renegociar a dívida é antídoto contra a inadimplência
A governanta Noeli Aparecida de Oliveira preferiu não esperar o orçamento doméstico estrangular para renegociar suas dívidas. Atenta à queda de renda e às prioridades nas contas da casa que divide com três filhos maiores de idade, procurou suporte para não ficar inadimplente no financiamento do carro, comprado em 48 vezes.
A prestação de R$ 1.111,83 foi paga por 19 meses e a dívida está em dia. Mas a renda familiar de R$ 4,5 mil começou a ficar apertada com os demais compromissos. “Não quero perder o carro, nem o valor que já paguei. Então, pedi revisão do financiamento”, explica. Entre aumentar o prazo, rever as taxas de juros e reduzir a parcela mensal, Noeli optou por fazer uma oferta para quitar a dívida com desconto.
A atitude da governanta cumpre a orientação de especialistas em orçamento doméstico e finanças pessoais. O brasileiro tem que fugir do constrangimento e procurar a solução para sanar pendências. “A renegociação é sempre possível. Ao credor interessa receber a dívida e sempre há margem para reduzir juros, prazos e valores”, diz Leonardo Lopes, da Cred Limp Consultoria.
Ao avaliar as condições reais de pagamento e condições legais de renegociação, inclusive com instrumentos jurídicos, o devedor ganha argumentos para enquadrar seus compromissos, sem cair em armadilhas. “O importante é evitar novos empréstimos para quitar os antigos e acabar entrando em uma ciranda financeira difícil de sair”, alerta.
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