A reclamação das empresas de telecomunicação não é nova, mas tem se intensificado conforme o número de usuários mingua e a popularidade da concorrência só aumenta. Tendo que encarar uma carga tributária média de 45% –com o ICMS responsável pela maior parte desta fatia –, as operadoras reclamam da falta de isonomia em relação a plataformas de streaming como o Netflix, que escapam de pagar os mesmos impostos.
O dilema se estende a outros serviços inovadores como Uber, WhatsApp e Airbnb, protegidos por um limbo jurídico que reside em uma questão fundamental: como enquadrar essas empresas recém existentes em uma legislação criada há quase 30 anos?
Não à toa, o governo federal e parlamentares têm se mobilizado para criar um novo aparato legal capaz de abranger esses serviços.
No início do mês, o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), Gilberto Kassab, afirmou que a pasta deve apresentar ainda este ano uma proposta para regular a atuação das novas empresas que atuam com áudio, vídeo e comunicação pela internet, as chamadas “over the top”.
No Congresso, um projeto de autoria do senador Romero Jucá, já aprovado pela Câmara e aguardando votação no Senado, prevê a inclusão de aplicativos como o WhatsApp e plataformas de streaming no rol de entes prestadores de serviços – e que, portanto, teriam de pagar ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza).
O projeto, apresentado ainda em 2012, é uma maneira de tentar atualizar o cumprimento da própria Constituição Federal de 1988, que prevê a tributação de todas as empresas e profissionais prestadores de serviço. O enquadramento nesta categoria, no entanto, é alvo há anos de discussões jurídicas que envolvem outros setores. O Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, já decidiu que a locação de veículos não está sujeita a ISS.
Carga pesada
Desde o início do ano, 17 estados aumentaram em cerca de 50% o ICMS dos serviços de TV por assinatura e pelo menos outros 10 reajustaram as alíquotas sobre serviços como celular e banda larga – o que, segundo a SindiTelebrasil, associação do setor, “vai na contramão do processo de inclusão social e desrespeita o cidadão”. Segundo as empresas, a carga tributária aplicada pelos estados varia de 40,2% até 63% – a maior parcela de tributos cobrada do consumidor nas contas de telefonia, banda larga e TV por assinatura é justamente a do ICMS, que passou por um reajuste, na maioria dos estados, de 10% para 15%.
“O Netflix é remunerado pelo usuário, é uma atividade de disponibilização de conteúdo audiovisual pela internet. A pergunta é: isto é um serviço ou não? Se eu fazia isso antes por meio de uma locadora de vídeo, não era serviço e, assim, não pagava ISS. O desafio de hoje é justamente esse, compreender do ponto de vista técnico e regulatório esses atividades para poder enquadrá-las em um Direito majoritariamente feito para regular situações concretas, materiais”, explica o advogado especialista em Direito Tributário Igor Mauler Santiago, sócio da Sacha Calmon-Misabel Derzi Consultores e Advogados.
Manobra
Esse limbo jurídico tem dado margem a novas formas de cobrança, como no caso do Uber. Para tributaristas, a taxa de R$ 0,10 cobrada pela prefeitura de São Paulo para cada quilômetro rodado no serviço nada mais é do que uma maneira indireta de taxação, mesmo que o município não a veja oficialmente como tal. “Foi a saída que a prefeitura de São Paulo encontrou. O decreto do município não diz que é o ISS, mas é uma forma indireta para tentar fazer a taxação”, afirma a advogada e professora de Direito Tributário e Previdenciário da PUC-PR Carla Machi Pucci. Vale lembrar, por outro lado, que taxistas autônomos em São Paulo são isentos de pagamento de IPVA e ISS.
Impostos “pulverizados” no Brasil dificultam cobrança
Para advogados tributaristas consultados pela Gazeta do Povo, uma das principais deficiências legais hoje no Brasil é o fato de não haver um imposto único de consumo, como o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), utilizado em países europeus. A plataforma de hospedagem Airbnb, por exemplo, é obrigada a recolher o IVA sobre suas taxas em nações que cobram impostos sobre serviços fornecidos por meio digitais – o que inclui todos os países da União Europeia, África do Sul e Japão, entre outros.
“No Brasil, há um imposto de consumo pulverizado em diferentes impostos, como o ICMS e o ISS, além de IPI e PIS/Cofins. Se tivéssemos um único imposto, dizendo que toda atividade econômica está sujeita ao IVA, essa discussão (sobre como taxar os novos serviços) não existiria”, defende o advogado especialista em Direito Tributário Igor Mauler Santiago.
Para o professor de Direito Tributário da Unicuritiba Maurício Dalri Timm do Valle, outro caminho seria a implantação de tributação indireta, em que quem efetivamente arca com o ônus financeiro do tributo não é a empresa – como o Netflix ou o Uber –, mas quem contrata o serviço. “Como esses pagamentos são todos feitos por cartão de crédito, seria fácil o poder público estabelecer que o operador do cartão fizesse a retenção de um porcentual a título de ISS”, avalia.
As opções, ainda assim, precisariam de uma mudança legal, por meio da atuação do Congresso. Para especialistas, não há dúvida de que serviços como o Netflix, Uber e Airbnb devem sim ser tributados, mas desde que haja base jurídica para tal. “Só a discussão, no sentido de se é justo ou não (tributar), não basta para exigir o imposto onde a lei não especifica. O Judiciário não tem poder pra fechar essas lacunas. Se não tem previsão, não pode tributar. E quem tem que fazer esse dever de casa é o legislador”, resume Santiago.
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