Suponhamos que o leitor esteja devendo muito na praça, para a mercearia do bairro, a padaria, o posto de gasolina e até para os vizinhos. A coisa andou tão feia que, mesmo que vendesse todas as suas posses, sobraria quase metade da dívida. Os credores, então, resolveram discutir a questão num grupinho encabeçado pelo vizinho mais endinheirado, que tinha uma BMW na garagem.
Depois de muito conversar, eles fazem a seguinte proposta: aceitaram receber só metade dos papagaios, com três condições: você não pode fazer mais nenhum crediário até que tudo fique em dia; tem de manter as parcelas que sobrarem rigorosamente em dia; e precisa mostrar todo mês o extrato bancário para o vizinho, para que o grupo tenha certeza de que tudo está andando bem.
O acordo entre o governo grego e a União Europeia foi mais ou menos assim. Só que, depois de tudo acertado, parece que bateu uma dúvida no primeiro-ministro e sua equipe. Os credores estão certos ou errados? Estão exagerando ao querer controlar como você gasta a sua prata? Ou a intenção é mesmo assegurar que o dinheiro do fiado da padaria não vai ser gasto em outra coisa?
Por isso veio essa história de referendo. E eis porque ele pegou muito mal entre os credores: a impressão que dá é que os políticos gregos querem, ao mesmo tempo, fazer média com a União Europeia e com a população local. Atitudes incompatíveis.
Se a Grécia simplesmente deixar de pagar suas dívidas, há risco de bancos quebrarem na Europa e de empresas e poupadores sofrerem graves prejuízos. A economia do Hemisfério Norte, que ainda não se recuperou plenamente da crise passada, entraria em um novo ciclo recessivo. O comércio internacional diminuiria, com consequências para o Brasil, que passaria a exportar menos.
Pense, de novo, no exemplo da vizinhança: o calote do vizinho deu tanto prejuízo para o dono do mercadinho que ele acabou fechando. Com isso, o produtor de verduras perdeu um grande cliente e teve de vender o sítio. Sobrou até para o dono da loja de produtos agrícolas que vendia fertilizantes ao agricultor e olha que ele nem sabia da história e morava na cidade vizinha.
Foi antecipando todas essas dificuldades que as bolsas desabaram ontem. Mas acredite: isso ainda é fichinha perto do que vai acontecer se a Grécia realmente der um calote.