Ex-secretário de Política Econômica do governo Lula e diretor-presidente do Insper, Marcos Lisboa critica a política econômica do governo com veemência. Mas culpa segmentos da sociedade e do empresariado nacional, que hoje pede a saída da presidente Dilma Rousseff, pelo apoio a desonerações, proteções setoriais, crédito subsidiado, e intervenções que, segundo ele, levaram o país à recessão.
Como a economia vai reagir a essa processo de impeachment?
Eu acho que houve retrocesso no debate. Até o fim do ano passado, o debate passou a reconhecer a gravidade da crise, depois começou a enfrentar problemas difíceis de serem enfrentados: o da Previdência e os gastos públicos crescendo acima da receita. O debate girava em torno de como enfrentar essas questões. De uma semana para cá, esse debate retrocedeu. Todos os sinais do enfrentamento das grandes causas da crise foram deixados de lado. É uma crise que vai se agravando, se nada for feito. As contas públicas vão se deteriorando cada vez mais, maior fica o endividamento, mais difícil e mais custoso é enfrentar essas questões. Se os problemas fiscais estivessem sendo enfrentados há cinco anos, o custo seria muito menor e o país estaria muito melhor.
Existem pessoas muito mais competentes do que eu para falar sobre política. Eu me limito ao campo econômico.
Qual é a melhor solução política para a economia: manutenção da presidente Dilma Rousseff ou o afastamento dela?
Qualquer que seja o encaminhamento político, os problemas do Brasil não se resumem a isso. O Brasil tem uma complexidade de distorções tributárias que são muito negativas para a economia. Houve piora impressionante da estrutura tributária do Brasil nos últimos seis, sete anos, que afeta o setor produtivo e a capacidade de crescimento. Há setores que pagam pouco imposto e os que pagam em demasia, os que têm crédito subsidiado muito barato e os que pagam muito caro. Enfrentar isso não será simples, como decidir quem vai pagar mais impostos. Essa crise tem dois grandes componentes: o primeira é o fiscal. A menos que se façam reformas muito duras e difíceis, o gasto vai continuar subindo acima da receita e o endividamento vai continuar aumentando. Um segundo componente é consequência direta da política econômica. De 2009 para cá, foi adotada política de governo que acreditava que atender a grupos de interesse era estimular o crescimento. Uma política de dar benefícios para setores, dar isenções tributárias para grupos selecionados, conceder crédito subsidiado, como isenções para o setor automobilístico, intervenções no setor de óleo e gás, com regras de conteúdo nacional. Isso gerou distorções na economia, que não cresce, que está decrescendo. Nosso potencial de crescimento foi severamente reduzido.
Como fazer isso nesse cenário tão conturbado, já que essas reformas têm de passar no Congresso?
No fim de 2014, em artigo, disse que a escolha de um ministro da Fazenda [Joaquim Levy foi escolhido para comandar a economia, numa sinalização de que haveria rigor fiscal] não bastava. A campanha e desenvolvimento da política naquele ano tinha dificultado a formação de alianças no enfrentamento de uma agenda comum. O que há hoje é uma ruptura tão grande na política que a capacidade de se fazer um debate profundo, cuidadoso, que enfrente os graves desafios e dilemas ficou prejudicado, talvez inviabilizado. O cenário não parece favorável.
O governo tem tomado medidas para amenizar a crise, como facilitar o crédito. Vai dar certo?
O que preocupa é uma certa percepção que existe em alguns setores de que a crise não é tão grave assim. E de que algumas medidas criativas podem resolver, como expandir financiamento, dar crédito para cá, para lá. Fazer um pouco mais do que foi feito nos últimos seis anos, e que nos trouxe a grave crise, não parece ser a solução adequada. Demonstra um desconhecimento profundo do que está acontecendo com a economia brasileira. É surpreendente esse tipo de proposta aparecer, até a inacreditável proposta de usar reservas. Isso mostra desconhecimento de economia e legislação.
Há chance de se resolver a crise econômica depois do conflito político?
Esse é outro ponto de preocupação: a percepção de que, uma vez resolvida a crise política, a situação automaticamente melhora. É claro que é difícil de imaginar política mais equivocada e prejudicial ao país como essa que foi feita de 2009, 2010 para cá. Mas existem dilemas que vão além do governo. Vamos enfrentar a reforma da Previdência? Vamos rever a acumulação de benefícios, o que não se vê em outros países? (...)É um país que tem um Estado extremamente sensível a pressões de grupos de interesse, que conseguem privilégios e benefícios que geram uma impressionante quantidade de distorções. Se não enfrentar essa agenda, não tem resgate da produtividade e do crescimento econômico.
O PMDB preparou um documento, apresentando um programa econômica chamado “Ponte para o futuro”. O senhor participou da preparação desse documento.
Eu tenho como política conversar com todo mundo. Dei sugestões quando me pediram. Há coisas boas, outras que discordo, outras que acho que faltaram.
Uma parte do empresariado que se beneficiou dessas distorções que o senhor aponta está pedindo a renúncia do governo ou impeachment.
O Brasil vinha numa trajetória de estabilizar a economia, de abertura desde os anos 1990. Houve melhora do crescimento, da produtividade, mas houve uma mudança profunda da política econômica que nos trouxe para essa grave crise. E essa mudança foi feita com apoio de muitos segmentos da sociedade civil e de muitos segmentos empresariais. Claro que o governo liderou o processo, mas não foi sozinho. Esse reconhecimento do fracasso e da corresponsabilidade é fundamental. Lideranças empresariais apoiaram as desonerações, a intervenção no setor elétrico, no preço dos combustíveis, a explosão do crédito subsidiado, as proteções setoriais, o conteúdo nacional. Atribuir unicamente ao governo que está lá a culpa e achar que trocar governo resolve, não resolve. Para além do governo, tem vários problemas.
É uma situação que a política terá que enfrentar. A agenda necessária é a republicana, tratar iguais como iguais, simplificar sistema tributário, retirar benefícios de diversos grupos de interesse, estimular a concorrência ao invés de proteger empresas ineficientes.
E como fazer?
A agenda necessária é a que trate igual como igual, que estimule a concorrência, a eficiência, a produtividade, que não vai salvar empresas ineficientes. O Brasil vinha nessa agenda, nessa trajetória. Vemos agora um retrocesso. É uma política muito semelhante ao período do choque do petróleo de 1974, de que a crise não chegaria aqui, não se fez ajustes, aumentou-se o crédito subsidiado, protegeu-se setores econômicos, mesmo à custa da piora das contas públicas. O país ficou fechado, progressivamente as contas públicas pioraram, a cada ano que passava o país crescia menos e vivemos longa década e meia de grave crise e estagnação. O modelo fracassou de forma custosa para algumas gerações. Hoje estamos melhor um pouco. Vivemos numa democracia, temos instituições mais fortes, controlou-se em parte o tamanho do equívoco. O país não tolera mais inflação.
E como fica o investimento externo, nossa imagem lá fora?
O Brasil é uma economia grande, com vantagens comparativas importantes. Vínhamos bem, crescendo, distribuindo renda, gerando emprego. Muito melhor que 15 anos atrás. O equívoco da intervenção do setor elétrico compromete a credibilidade do país, porque mostra que as regras podem mudar. O prêmio de risco sobe, a taxa de retorno tem que ser maior, vai haver menos investimento e geração de emprego. Na economia houve retrocesso imenso e teremos que começar de novo. Na política é diferente, com toda crise, é a crise da democracia. O país está mostrando maturidade que não mostrou na economia. A sociedade agora tem que discutir o tamanho dos seus desafios e construir uma solução que passa pela negociação, por acordos, da construção de escolhas difíceis, duras. E o espaço tem que ser construído na política. A economia pode dar os custos e benefícios das diversas soluções, mas a negociação é um espaço da política. A má notícia é: quanto mais demora essa negociação, mais grave fica a crise.