| Foto: Andrew Burton/AFP

Ao abrir sua primeira startup, a Netshow.me, o empresário Rafael Belmonte queria “digitalizar o chapéu do músico de praça”, deixando que artistas independentes faturassem com ingressos virtuais para shows ao vivo, pela internet – a plataforma ficava com uma pequena fatia na receita. Depois de três anos, a Netshow.me mudou de planos. No lugar dos fãs de Fresno, Só Para Contrariar e Wanessa Camargo, a carteira de clientes da empresa começou, em janeiro, a incluir empresas como KraftHeinz, Itaú e Napster.

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A mudança não foi à toa: apesar de alcançar bom público em algumas transmissões, a Netshow.me tinha faturamento baixo e inconstante. A guinada para o mundo corporativo deu frutos. “De lá para cá, o faturamento cresceu oito vezes”, diz Belmonte.

Hoje, a Netshow.me atende cerca de 300 clientes, com planos entre R$ 99 e R$ 499. “Além de render mais, minha receita é mais previsível”, afirma.

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Startup para consumidor tem dez vezes mais chance de morrer na praia

Aproximadamente um terço das startups voltadas para o usuário final aceleradas pela StartupFarm, maior empresa desse tipo da América Latina, encerrou suas atividades dois anos após a fundação. Nas startups voltadas ao mercado corporativo, a taxa foi de apenas 3,45%.

Os dados fazem parte de estudo feito pela aceleradora com as 191 empresas que passaram por seu processo de investimentos entre março de 2011 e março deste ano. Além do número de startups que fecharam, o estudo também mostra a atenção das startups com diferentes setores.

Em 2011, as empresas voltadas para o consumidor representavam 45% do portfólio daquele ano da StartupFarm, ante 32% das “corporativas”. Em 2016, houve uma inversão: 14% focavam em usuários, mas 50% das empresas do portfólio estavam de olho no mercado corporativo.

O caso da Netshow.me é mais radical – a ponto de ter abandonado as transmissões com artistas –, mas está longe de ser único. Nos últimos tempos, vários empreendedores brasileiros deixaram de lado o sonho de atingir as massas com um “app matador” e passaram a atender empresas.

Treinamento

A startup mineira Qranio fez um movimento parecido, mas mais suave. Dona do app homônimo que mistura educação com testes divertidos de múltipla escolha, a startup alcançou a marca de 1,3 milhão de usuários no início deste ano. Contudo, não gerava receita significativa.

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Segundo especialistas, é preciso conquistar uma boa base de usuários para ser lucrativo – e isso costuma levar tempo e dinheiro. “Nem sempre os investidores estão dispostos a esperar esse tempo todo”, diz Samir Iásbeck, fundador da startup.

A solução surgiu de fora da empresa. “Um cliente nos perguntou se poderíamos adaptar a plataforma para fazer um treinamento interativo”, conta Iásbeck. Ao participar do programa de aceleração do Google, no início deste ano, o projeto virou o novo foco da empresa.

De janeiro para cá, a Qranio já conquistou clientes do porte de Magazine Luiza, Bradesco e Brasil Kirin. “Hoje, 98% do meu faturamento vem desse novo setor”, diz o empreendedor. A startup, no entanto, não abandonou o bom e velho quiz. “Meu melhor cartão de visita para o cliente ainda é o meu aplicativo para o consumidor final.”

Risco

A escassez de capital de risco no Brasil é o principal fator que faz as startups deixarem de lado as pessoas físicas. “Se o cara tem uma boa ideia para consumidores, ele deve ir ao Vale do Silício”, diz Renato Valente, diretor da aceleradora Wayra, da Telefônica.

Na crise, esse investimento é ainda mais difícil. Por outro lado, apostar em empresas é uma forma rápida de crescer. “Com menos dinheiro, você fala com um número maior de potenciais clientes, com um tíquete médio bem maior”, diz Felipe Matos, presidente da aceleradora StartupFarm.

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Com receita e retorno mais rápido, a startup se torna mais atraente para o investidor, que vê menos risco, afirma Matos. Além disso, em tempos de crise, ajudar empresas a economizar faz a diferença. É o que aconteceu com a Telep.

Inicialmente, a startup criou um app capaz de monitorar as chamadas e sugerir o plano mais econômico entre as operadoras brasileiras. Ele ficaria com uma pequena comissão a cada oferta fechada. “Lançamos a primeira versão em 2014. Conseguimos muitos downloads, mas não vendemos quase nenhum plano”, diz Paulo Sena, sócio-fundador da empresa.

Ao pesquisar o mercado, a Telep descobriu que a dor de uma fatura “estourada” era muito maior para as empresas. “Os empresários chegavam com contas de até 300 páginas. Era difícil interpretar tudo aquilo”, afirma Sena. A Telep então voltou para a prancheta e só retornou ao mercado há dois meses. Hoje, administra mais de 3 mil linhas de 25 empresas.

Pêndulo

Para Matos, da StartupFarm, o crescimento de startups focadas em pessoas jurídicas está associado ao momento do País. “Daqui a alguns anos, a onda de serviços para consumidores tem tudo para se repetir”, prevê ele.

É nisso que aposta a TimoKids, que cria livros digitais para crianças com pegada socioeducativa desde 2014. Em dois anos, a empresa conta com 110 mil usuários em 190 países – mas apenas uma minoria deles paga pelas histórias. “Com a base das empresas, temos tranquilidade para criar um produto relevante para as crianças”, diz Fabiany Lima, presidente executiva da empresa.

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Empresa que oferece exames ‘a la carte’ é exceção e tem 30 mil usuários

Num momento em que prestar serviços para empresas e deixar de lado o consumidor final parece ser uma prioridade para startups brasileiras, a ExamineJá pode ser exceção. Lançada em 2015, a startup de São Paulo oferece consultas e exames “a la carte”, com uma rede de clínicas e médicos credenciados. A empresa, que aceita pagamento parcelado em até 12 vezes, tem hoje 30 mil usuários em todo o país.

“Com a gente, o usuário só paga o que usar”, diz Haissan Molaib, um dos três sócios fundadores da startup. “O plano de saúde é um cheque em branco. Muita gente não sabe quanto custa uma consulta ou exame.”

A empresa é a segunda empreitada de Molaib: ele se juntou em 2013 a outros dois amigos para criar a ProRadis, startup responsável por um sistema de gestão de clínicas.

“Trabalhei com empresas de saúde em fundos de investimento e percebi que elas tinham problemas com processos, preços e falta de eficiência”, diz o empreendedor.

“O Uber fez muita gente deixar o carro em casa e ter senso crítico com relação a transportes. Queremos fazer o mesmo com a saúde.”

Haissan Molaib sócio fundador da ExamineJá

Elas também sofriam com equipamentos ociosos e, ao perceber isso, o empreendedor criou a Examine Já, cuja rede de 2 mil clínicas e laboratórios utiliza, em sua maioria, o sistema da ProRadis. “A sinergia entre as duas empresas nos ajudou na aposta”, diz Molaib.

As duas empresas caminham lado a lado - e os planos de crescimento são ambiciosos: para a ProRadis, a meta é chegar a 20 mil clínicas credenciadas até o final do ano em todo o Brasil. A ExamineJá, por sua vez, deve alcançar 1 milhão de usuários até o final de 2018 - hoje, a empresa cresce a uma base de 10 mil novos usuários por mês.

“Pode parecer um serviço para a classe C, mas nossa maior base hoje é de usuários A e B, jovens, que já sabem usar o Uber e gastam em torno de R$ 500 em cada ‘compra’ na plataforma”, diz Molaib. A citação ao aplicativo de transportes não é sem propósito. “O Uber fez muita gente deixar o carro em casa e ter senso crítico com relação a transportes. Queremos fazer o mesmo com a saúde.”