O polo automotivo do Paraná voltou nove anos no tempo. Se mantiver o ritmo dos últimos meses, a produção de veículos terminará o ano no nível mais baixo desde 2006, ligeiramente abaixo do patamar de 2009. Os efeitos dessa retração, que começou no primeiro semestre do ano passado, se alastram pela cadeia de fornecedores, com forte queda no faturamento das empresas e demissões em massa. Os primeiros sinais de recuperação só devem aparecer, na melhor das hipóteses, no fim deste ano, segundo empresários e especialistas consultados pela Gazeta do Povo.
Depois de recuar 21% em 2014, a produção paranaense de carros, caminhões, ônibus, reboques e carrocerias encolheu 35% no acumulado dos quatro primeiros meses deste ano, segundo o IBGE. O faturamento dos fabricantes, por sua vez, caiu 18% no ano passado e, de janeiro a abril de 2015, baixou mais 21%, de acordo com a Federação das Indústrias do Paraná (Fiep).
Não há números consolidados sobre as centenas de empresas que fornecem componentes ou prestam serviços para as montadoras do Paraná e de outros estados. Mas os dados disponíveis sugerem que a situação delas não é melhor. A receita das fábricas de autopeças, por exemplo, caiu 17% em 2014, segundo o Sindipeças – e não há indícios de que tenha voltado a subir.
O lado mais dramático da crise é o do emprego. Em maio, as indústrias automotiva e de máquinas agrícolas e seus respectivos fornecedores dispensaram quase 700 trabalhadores formais no estado, segundo o Ministério do Trabalho. Desde o ano passado, 7,5 mil pessoas foram demitidas, a maioria na Região Metropolitana de Curitiba, que concentra grande parte das empresas do setor. E os contratos de aproximadamente mil trabalhadores estão suspensos, pelo regime de layoff, na Volkswagen e na Volvo.
Estoque
O estoque de veículos nos pátios de fábricas e concessionárias era equivalente a 49 dias de vendas em junho deste ano, o correspondente a entre 323 mil e 325 mil unidades encalhadas, segundo a Fenabrave. Esse nível supera em 10 dias o estoque registrado em junho do ano passado. As vendas totais acumulam retração de 20,67% no primeiro semestre deste ano.
Perfil
A retração não é exclusividade do Paraná. A crise do mercado interno e a crônica dificuldade da indústria automobilística em exportar derrubaram produção, faturamento e emprego em todo o país.
Os números paranaenses, no entanto, têm sido ligeiramente piores que os nacionais. A fatia do polo do Paraná na produção brasileira, calculada pela Anfavea (associação das montadoras), recuou nos últimos dois anos, saindo de 15,1% em 2012 para 11,6% em 2014. Em parte, porque as empresas daqui haviam crescido acima da média nos anos anteriores. Mas o perfil da produção local também pesou.
“Marcas com fábrica no Paraná, como Renault e Volkswagen, estão entre as mais afetadas pela crise”, diz Raphael Galante, da Oikonomia Consultoria Automotiva. “Por outro lado, marcas de valor agregado mais alto e produtos premium, como Honda, Toyota e Hyundai, estão sofrendo menos ou até crescendo.”
Segundo a Anfavea, de janeiro a maio as vendas da Renault caíram 20% e as da Volkswagen, 28%. Na média, o mercado brasileiro de automóveis e utilitários encolheu 18%. As vendas de caminhões diminuíram ainda mais, cerca de 42%. As da Volvo, instalada em Curitiba, despencaram 57%. “Nos caminhões, a queda está concentrada nos modelos pesados e extrapesados, especialidade da Volvo, que são mais afetados pela crise”, explica Galante.
Exportação definha
O Paraná exportou US$ 331 milhões em veículos e componentes de janeiro a maio, 29% menos que no mesmo intervalo de 2014. O resultado foi o pior dos últimos 13 anos. As receitas de exportação da Renault caíram 47%; as da Volvo, 29%; e as da Bosch, 11%. A exceção é a Volks, que, após anos de baixa, elevou as vendas ao exterior em 18% neste ano.
19 meses de baixa
As montadoras brasileiras estão demitindo há 19 meses. Desde o início dos cortes, em novembro de 2013, 21,4 mil pessoas perderam o emprego. Segundo a Anfavea, no momento mais de 30 mil funcionários – de 138,2 mil empregados no total – estão sem trabalhar no país, por suspensão de contratos (layoff), férias individuais ou coletivas e licenças remuneradas.
Para empresários, recuperação do setor deve ficar para 2016
A indústria automotiva não deve experimentar uma retomada mais consistente antes de 2016. Para 2015, espera-se no máximo um início de reação. “O segundo semestre será apenas menos caótico que o primeiro”, avalia Raphael Galante, da Oikonomia.
“Ninguém espera uma recuperação para antes do segundo semestre do ano que vem”, diz Alcino Tigrinho, presidente do Sindimetal-PR, que representa a indústria metal-mecânica. Para ele, a crise atual é mais grave que as anteriores porque pegou os fornecedores do setor automotivo descapitalizados. “As empresas vinham trabalhando com margens de lucro extremamente apertadas, não só pelo jogo duro das montadoras, mas pela concorrência com os equipamentos importados.”
Novembro
Almiro Costa, diretor do grupo Methal Company, espera que o mercado pare de cair até o mês que vem e comece a dar sinais de recuperação por volta de novembro. “Não se trata de voltar aos níveis anteriores, mas de começar a tirar o nariz para fora da água”, diz.
Segundo ele, as receitas com o segmento automotivo caíram 40%. E o grupo – que fornece equipamentos metálicos para máquinas agrícolas, caminhões, ônibus e automóveis – teve de cortar 30% do quadro de pessoal, dispensando 80 pessoas em suas fábricas de Curitiba e Fazenda Rio Grande.
Exceção
Caso raro na cadeia automotiva, a Soft Eletrônica conseguiu elevar o faturamento em 7% no primeiro semestre. Especializada em componentes eletrônicos para automóveis, a empresa, que tem unidades em Curitiba e Pato Branco, conseguiu retomar os negócios com a Argentina, destino de até 30% da produção. O foco no mercado de reposição também ajudou.
“Nosso principal canal de vendas é o mercado de carros seminovos, que está mais aquecido”, explica Thiago Camargo, gerente comercial. Apesar da alta na receita, o lucro caiu. “Estamos gastando mais com visitas aos clientes, por exemplo. Quase não paro na empresa. O momento exige”, conta.
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