Discutir a proibição da venda de armas com moradores que vivem em verdadeiros barris de pólvora, sob domínio de quadrilhas armadas que diariamente compram, vendem e usam armas, mudou o sentido da palavra campanha em favelas do Rio. Nestes locais, o referendo virou tabu. Embora não atinja o mercado negro das armas, os moradores evitam falar abertamente por temer uma reação dos grupos de traficantes que dominam essas regiões.

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- As pessoas não têm como dizer: sou a favor do Estado e contra o poder paralelo. Quem vai proteger essas pessoas, se é difícil até para as forças públicas? A população não é burra. É melhor ficar na boca de siri, no silêncio de sua consciência, e votar o que deve ser votado - analisa o padre Luiz Antônio Pereira Lopes, da Pastoral de Favelas do Rio de Janeiro.

Um clima de insegurança que vem mudando as estratégias da Frente Por um Brasil Sem Armas para não excluir da campanha uma fatia que representa 20% da população carioca, segundo dados da prefeitura. Em vez de chamar a atenção em reuniões abertas e outras atividades públicas, as instituições buscam apoio de igrejas e escolas, e organizam reuniões fora da comunidade.

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Elionalva Souza Silva, moradora da Nova Holanda, reclama que a iniciativa do Disque-Denúncia, de convocar os moradores a denunciar os traficantes que portam armas (o projeto "Desarme o bandido" visa a estimular relatos sobre esconderijos e a chegada de carregamentos de armas), dificultou ainda mais a situação e os obrigou a mudar o slogan, de "A Maré diz sim ao referendo" para "A Maré diz sim à vida". A campanha oficial será lançada no dia 1.

José Roque Ferreira, presidente da Associação de Moradores do Complexo da Mangueira, se declara a favor, mas disse que a questão central na comunidade é a violência "cometida pela polícia".

- Armar não é solução para nada. O que deveria ser proibido é a entrada da arma ilegal. A arma que entra para a favela não é comprada nas lojas.

Na Maré, o discurso de desesperança se repete:

- Sou contra o comércio de armas porque as pessoas, e até mesmo a polícia, são despreparadas. Aqui, a polícia entra sempre atirando. Os moradores querem que isso pare - disse Sebastião Antônio de Araújo, do Instituto da Criança, onde toca o projeto Vida Real, para jovens dependentes químicos e envolvidos em atividades ilícitas.

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Isaias Caetano Terra, comerciante da Mangueira, tem insegurança em relação ao futuro.

- Temo o que possa acontecer depois. Quem tem arma, mesmo com o referendo, não vai querer se desfazer dela. O preço acabará subindo no mercado negro. Tenho um vizinho que alega que o bandido vai entrar na sua casa e não terá como se defender.

O professor de Filosofia e Sociologia Eucrésio Ribeiro, que atua na Frente Brasil sem armas, garante que os moradores de áreas conflagradas pela violência querem a paz:

- O foco é desarmar o cidadão de bem, não o traficante.

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