A aposentadoria não é necessariamente um passaporte para ficar em casa. Tanto que quase 20% dos idosos brasileiros - 3,8 milhões de pessoas acima de 60 anos - trabalham mesmo recebendo o benefício. Continuar na ativa, entretanto, nem sempre é uma opção, já que os idosos são 23,3% dos chefes de família com mais de 18 anos, segundo o IBGE. Na maioria dos casos, é, portanto, uma questão de necessidade. É o que mostra a reportagem de Fabiana Ribeiro, publicada na edição do GLOBO desta quarta-feira (9).
- O Brasil se caracteriza por ter rendimentos muito baixos. É inevitável que as pessoas continuem a trabalhar. É, muitas vezes, uma questão de sobrevivência - afirmou Hildete Pereira, professora da UFF.
Segundo José Carlos Libânio, ex-coordenador do Programa de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil, a renda dos idosos é crucial para o sustento material dos familiares - e não o contrário.
- Entre os idosos saudáveis e ativos, a dependência dos filhos não prevalece: fazem questão de exercer sua independência na vida financeira, ao tomar decisões, no cuidado com o lar, nas compras e na liberdade de ir e vir. Isso é possível porque a renda do trabalho declina com a idade. Já a aposentadoria é constante dentro de cada grupo de renda - comentou Libânio, acrescentando que sustentar parentes é mais comum na Região Nordeste e na classe C.
Três gerações na mesma casa, peso para o idoso
De acordo com os dados do IBGE, a renda dos aposentados brasileiros é, em média, de 1.158,23. No Estado do Rio, estado com maior proporção de idosos, chega a R$ 1.536,13. Uma renda que pode ser acumulada com outros ganhos, ao contrário do que acontece em países da Europa.
- Cerca de 88% das pessoas acima de 65 anos recebem contribuição previdenciária, um apoio de nível europeu. Uma pessoa se aposentar antes dos 60, como acontece no Brasil, é muito cedo - disse Vinícius Pinheiro, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Na avaliação de Ana Amélia Camarano, pesquisadora do Ipea, a presença da renda do idoso na família adia a saída dos jovens da casa dos pais. Ou, muitas vezes, provocam um retorno - o filho que volta a morar com os pais, após uma separação, por exemplo.
- Vários fatores fazem com que, muitas vezes, três gerações morem na mesma casa, como relações afetivas instáveis, gravidez precoce e dificuldades no mercado de trabalho.
Tendência muito observada no interior - principalmente nas áreas rurais do semiárido nordestino -, é grande o número de idosos que dividem suas aposentadorias com filhos, genros, netos. Um levantamento entre grupos de convivência de Recife indicou que 80,8% dos consultados sustentam ou ajudam suas famílias, inclusive dependentes em idade produtiva.
Segundo Karina Antunes, diretora de Proteção Social Básica da Secretaria de Ação Social da Prefeitura do Recife, a pesquisa mostrou que 52,9% são provedores, enquanto 27,9% contribuem para a renda familiar. Na capital pernambucana, a maioria dos aposentados recebe apenas um salário mínimo. E é nessa faixa que se concentram aqueles que se veem obrigados a dividir os proventos com até 15 pessoas.
- Essa situação preocupa muito, porque os provedores sustentam grandes famílias, são explorados e sofrem toda sorte de violência, inclusive psicológica. Transformam-se em alvos seja do empréstimo com desconto em folha ou dos familiares. Por isso, têm que ser instruídos para que não sejam enganados, inclusive pelos bancos.
João Francisco Sales, de 82 anos, é um exemplo de aposentado que mantém a família. Residindo há quase 40 anos na favela Caranguejo Tabaiares, ele sustentava dez pessoas até a semana passada, entre a mulher (Lindalva Oliveira Salles, de 66 anos), filhos, nora e netos. Em novembro, o filho Isaías, de 30 anos, arranjou emprego de pedreiro e passou a sustentar mulher e o filho. Mesmo assim, mora na casa dos pais.
- É muita gente. Eu, minha velha, filho, nora, netos, tudo para eu dar de comer. A dificuldade é grande, falta dinheiro para comida e remédio. E a luz e a água estão atrasados - diz seu João Francisco.
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