Um "racha" sobre a melhor maneira de combater a crise é a ameaça que paira sobre o encontro dos líderes do G20 que acontece nesta quinta (2) em Londres, na Inglaterra. Segundo especialistas ouvidos pelo G1, enquanto os países europeus defendem menos pacotes econômicos e mais regulação sobre as regras do sistema financeiro, os EUA preferem o caminho exatamente oposto: mais pacotes e menos regras.

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O temor é que essa divisão possa levar o encontro a um impasse – a ministra das Finanças da França, Christine Lagarde, ameaçou que o país pode não assinar a declaração final da cúpula caso não sejam incluídos acordos sobre mecanismos regulatórios mais rigorosos, posição reconfirmada pelo presidente Nicolas Sarkozy nesta quarta-feira (1º), em reunião com o presidente Lula, em Paris.

"Existe um conflito sobre isso. É uma pena, porque essa reunião não pode dar a impressão de divergência. O mínimo que se deveria esperar é que ela sinalizasse boa vontade. Desse jeito, está parecendo uma das velhas reuniões da Organização Mundial do Comércio (OMC), onde vários lados se digladiavam", analisa Mário Marconini, diretor de negociações internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

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Frente a essa realidade, ele espera que no curto prazo o encontro "não deve resolver nada", mas poderia "criar um grupo de trabalho regular, para tomar medidas a médio prazo".

Mais divergências

As diferenças de opinião entre a Europa e os EUA não se limitam à forma de combater a crise. Também existem divergências entre os blocos sobre como socorrer os bancos em dificuldades, que possuem mais dívidas do que ativos.

"Em alguns países da Europa, a decisão foi a nacionalização dos bancos, mas os EUA ainda estão tentando soluções mais próximas de mercado, ou seja, juntar governo e instituições privadas para comprar papéis ‘podres’ (sem valor de mercado)", explica Raul Velloso, consultor e professor da Escola Nacional de Administração Pública (Enap).

O próprio diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, já afirmou que a remoção dos ativos "podres" deveria ser a principal prioridade do encontro. O fracasso em consertar o sistema financeiro vai desperdiçar uma vasta quantidade de dinheiro, que vão "derreter como neve no sol", disse Strauss-Kahn.

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Quem concorda com ele é Velloso: "É preciso acelerar o equacionamento das instituições financeiras com problemas. Enquanto não se resolve isso, a economia mundial vai continuar sangrando", afirma.

A reforma do FMI, aliás, é um ponto de discordância entre EUA e Europa. Os países mais ricos do mundo estariam "considerando fortemente" uma injeção de US$ 500 bilhões no Fundo. John Lipsky, vice-diretor de gerenciamento do FMI, afirmou que essa proposta poderá ser feita pelo secretário americano do Tesouro, Timothy Geithner.

Desta forma, os recursos totais disponíveis chegariam a US$ 750 bilhões, o triplo do valor atual. Governos europeus, porém, defendem um reforço menor, que elevaria o caixa do FMI para US$ 500 bilhões.

Interesses brasileiros

Segundo os analistas, o tema que interessa mais diretamente ao Brasil no encontro é a reforma de instituições como o FMI e o Banco Mundial. "Já existe um reconhecimento que os países do bloco Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) precisam de mais poder nos organismos internacionais", afirma Marconini.

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Segundo ele, nesta área, "o Brasil chega bem na reunião". "Ele tem uma certa moral, pois fez a lição de casa. Chega com um certo poder de influência para mostrar que tem hoje estatura para estar nos países que ‘mandam’ no FMI."

No entanto, outros analistas têm uma visão diferente, pois a reestruturação também é controversa entre os que atualmente comandam as instituições. Afinal, dar mais poder aos emergentes, como Brasil e China, significa tirar influência de países europeus e dos EUA.

"É difícil imaginar que os americanos, os grandes poderosos do FMI, no meio de uma crise deste tamanho, queriam abrir espaço para novas lideranças no órgão. Acho que neste momento ainda não há espaço para uma divisão de poder deste tipo", prevê o economista Velloso.

Quarta-feira (1º), Lula disse que espera que os líderes do G20 tenham "maturidade". "Temos uma convicção de que temos que encontrar uma solução. A única coisa que eu espero é que os presidentes tenham maturidade suficiente para compreender que cada dia que passar sem uma solução para a crise mais gente vai sofrer. Precisamos ter coragem de fazer o que precisamos fazer."

Protecionismo e Rodada de Doha

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Outros itens que deverão ser debatidos no encontro de Londres incluem o protecionismo comercial, ou seja, as medidas adotadas pelos países para dificultar a entrada de produtos estrangeiros em seu mercado.

"Os países sempre dizem que são contra, existe toda uma retórica sobre isso. Mas, desde a última reunião do G20, em novembro, 17 países do grupo tomaram 47 medidas protecionistas. Seria importante ter um tipo de lista com medidas que passassem a ser consideradas inaceitáveis. Mas, pelo que eu estou vendo, esta discussão já nem está mais em pauta", frisa Marconini.

O Brasil também deverá defender uma eventual retomada da Rodada de Doha, as discussões que visam eliminar barreiras ao comércio internacional. Nesse item, o diretor da Fiesp é ainda menos otimista que na questão do protecionismo.

"Não vejo nenhuma chance para retomar a Rodada de Doha agora. Os EUA já sinalizaram que não querem uma reunião nem mesmo em julho. Eles só abriram a possibilidade de um encontro no final do ano. Já deixaram claro que não existe clima agora para discutir essa questão", avalia.

Final otimista

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Mesmo com todas essas barreiras, existe a possibilidade que a reunião se encerre com um tom otimista – pelo menos no papel. O jornal britânico "Financial Times" obteve o rascunho do documento final da reunião, onde se prevê que a economia mundial volte a crescer no final de 2010.

No rascunho, os dirigentes do grupo dizem acreditar que as medidas nacionais já adotadas podem aumentar a produção mundial em dois pontos percentuais e criar mais de 20 milhões de empregos. Com a declaração de que "uma crise global requer uma solução global", os líderes do G20 prometem: "Nós estamos determinados a restaurar agora o crescimento, resistir ao protecionismo e reformar nossos mercados e instituições para o futuro."