O rombo acumulado dos quatro principais fundos de pensão de estatais — Correios (Postalis), Petrobras (Petros), Caixa Econômica Federal (Funcef) e Banco do Brasil (Previ) — deve ter ultrapassado R$ 46 bilhões em 2015. A conta considera números preliminares dos balanços anuais a serem divulgados nos próximos meses e dados dos conselhos fiscais das entidades. O rombo de R$ 46 bilhões é o déficit atuarial, ou seja, se o fundo fosse obrigado a pagar hoje todos os benefícios atuais e futuros, esse seria o tamanho da fatura.
Com dados parciais das contas do ano passado, Postalis, Petros, Funcef e Previ registraram saldo negativo de R$ 17 bilhões. O rombo sobe para R$ 46,6 bilhões com os números ainda em circulação restrita entre representantes dos trabalhadores nos conselhos fiscais. As assessorias de imprensa informaram que as entidades somente poderão se manifestar após a divulgação dos balanços, o que deve ocorrer a partir de abril.
Só para se ter uma ideia da ordem de grandeza, o déficit de todo o sistema até o terceiro trimestre de 2015 era de R$ 60,9 bilhões, segundo dados da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc).
Parte da fatura começa a ser repassada aos participantes (ativos e aposentados) em março: no Postalis e na Funcef, com saldos negativos desde 2012, os planos de equacionamento do déficit estão em fase adiantada. Petros e Previ devem fechar uma proposta para cobrir os respectivos rombos, ao longo deste ano, e implementar as medidas a partir de 2017. A adoção de um plano para tapar os buracos dos fundos de pensão é uma exigência legal, que prevê aportes adicionais dos trabalhadores e das estatais patrocinadoras.
CPI
No fim de 2015, o governo aprovou uma regra mais flexível para solucionar o déficit. Por ela, os resultados negativos poderão ser equacionados a longo prazo, de acordo com o fluxo de pagamento das aposentadorias e pensões. Assim, quanto mais aposentados, menor o tempo para o acerto das contas. A legislação anterior não permitia isso: apenas exigia uma solução depois de três anos seguidos de resultado negativo e em valor superior a 10% do patrimônio.
Má gestão, investimentos arriscados e sem retorno, reflexo do aparelhamento das entidades com indicações políticas, e agravamento da crise na economia explicam o déficit crescente dos planos de benefícios. As quatro entidades são investigadas pela CPI dos fundos de pensão da Câmara dos Deputados. A comissão, a segunda nos governos do PT para tratar da questão, foi criada a partir da Operação Lava-Jato, que levantou a suspeita de participação dos fundos de previdência das empresas públicas em desvio de recursos para favorecer partidos, causando prejuízo aos trabalhadores.
Alvo da CPI, do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, o Postalis acumulou déficit de R$ 5,7 bilhões em 2012, 2013, 2014 e 2015 (até novembro) — valor que deve subir na conclusão do balanço. Parte do rombo pode ser atribuída a aplicações mal sucedidas, como compra de papéis da dívida da Argentina e da Venezuela, que viraram pó, e de fundos de investimentos que geraram prejuízos milionários.
Na semana passada, a atual diretoria entrou com ação contra o banco responsável pela administração (Bank of New York Mellon), na tentativa de recuperar R$ 2,2 bilhões. Enquanto isso, o fundo está finalizando uma proposta de equacionamento para o rombo, que deve ser apresentada em março aos trabalhadores. Procurado, o BNY Mellon respondeu: “Embora não possamos comentar ações judiciais às quais não tivemos acesso, as reivindicações que temos visto até esta data não têm mérito e vamos continuar nos defendendo contra elas”.
Faltando 12 anos para se aposentar, o funcionário dos Correios Deuzimar Batista dos Santos tem dúvidas sobre o futuro. Com 25 anos de carreira, ele trabalha como motorista e entrega encomendas de Sedex em Brasília. Ganha R$ 2.500 por mês e desconta cerca de R$ 200 para o fundo de pensão. E foi informado que pode ser obrigado a desembolsar mais R$ 100 para ajudar a cobrir o déficit do fundo.
“Os diretores do Postalis são escolhidos pelos Correios. Assim, a empresa tem que arcar com o déficit”, disse Santos.
“Se a gente não pagar, não pode se aposentar. Também não há garantia de que os recursos serão bem administrados de agora em diante”, reforçou o carteiro Luis Sandro Ribeiro, também funcionário dos Correios, com 22 anos de Casa.
Na Funcef, o comando da entidade acabou de aprovar uma proposta para solucionar o déficit de R$ 5,1 bilhões de um dos quatro planos de benefícios, com resultado negativo desde 2012. Do total, R$ 1,9 bilhão começará a ser pago pelas partes em maio, num prazo de 17 anos. Considerando os demais planos, o rombo soma R$ 5,5 bilhões. A expectativa é que o balanço de 2015 tenha desequilíbrio adicional de R$ 7 bilhões.
Após déficit acumulado de R$ 6,2 bilhões, em 2013 e 2014, a Petros deve repetir o desempenho ruim em 2015. Até outubro, o rombo alcançou R$ 15,4 bilhões (R$ 9,2 bilhões a mais), segundo dados do conselho fiscal. Mesmo a Previ, após anos de resultados positivos, como lucro de R$ 12,4 bilhões em 2014, deve virar 2015 com déficit na casa dos R$ 13 bilhões. Até setembro, a perda era de R$ 572,8 milhões. Mas o rombo vai subir no resultado fechado do ano devido a uma reavaliação no valor dos ativos da entidade.
No caso da Previ, com 52% dos ativos aplicados em renda variável, a conjuntura econômica é uma das principais razões para o déficit. O fundo tem aplicações na Vale e na Petrobras, que perderam valor de mercado, diante da queda nas commodities. No caso da Petrobras, contaram também denúncias de corrupção. Além disso, a Previ tem participações em outras empresas, como Invepar, que passa por dificuldades financeiras. Endividada após assumir o aeroporto de Guarulhos, a situação da Invepar se agravou depois que um dos sócios, a construtora OAS, apareceu na Lava-Jato e pediu recuperação judicial.
“Essa conjuntura é difícil para todo o mercado e impacta os investimentos em geral, inclusive os fundos de pensão”, destacou em nota a Previ.
Perdas
Petros e Funcef também contabilizam perdas com investimentos em renda variável, além de outras dificuldades, como compra de participação da Sete Brasil. Eles investiram quase R$ 1,4 bilhão cada um na empresa, sem perspectiva de retorno no momento. Os dois fundos também detêm participação na Invepar.
Segundo conselheiros da Petros, o resultado também deve ser prejudicado pela situação da Invepar, pois o valor da empresa caiu de R$ 2,8 bilhões em 2014 para R$ 2,2 bilhões no ano passado. O impacto negativo no balanço do fundo deve ficar em torno de R$ 600 milhões. A Petros também contabiliza perdas por investimentos mais antigos, como na Lupatech (do setor de petróleo) e no grupo Galileo.
A Associação Nacional dos Participantes dos Fundos de Pensão (Anappar) informou em nota que, com exceção do Postalis, os déficits nos outros fundos são resultado da conjuntura econômica ou fazem parte do risco do negócio. No texto, porém, a Anappar alerta para perdas reais nos ativos: “Até onde pudemos avaliar por meio dos balanços e relatórios de investimentos, as perdas de rentabilidade são causadas pela conjuntura adversa. Entretanto, a continuar nesta conjuntura adversa por muito tempo, corremos o risco de termos perdas reais nos ativos dos planos. É hora de muito cuidado e prudência na gestão dos planos”.
Má gestão
Documento apresentado pelo Fórum Independente em Defesa dos Fundos de Pensão à CPI dos fundos de pensão em dezembro mostra que as entidades patrocinadas por empresas privadas registraram lucro em 2014, enquanto o déficit nos fundos das estatais só cresceu. Para o colegiado, a elevada participação dos fundos das empresas públicas em investimentos de maior risco ajuda a explicar o desempenho ruim dessas entidades.
No Postalis, a proporção dos investimentos nesses projetos alcança 18,63%; na Funcef, 10,84%; na Petros é de 6,14% e na Previ, 0,7%. Já entre as entidades que mais lucraram em 2014, como o Sistel, por exemplo, essa distribuição é de 0,46%, na Fundação Itaú-Unibanco, é de 0,02% e Valia, 3,9%.
Relator da CPI, o deputado Sérgio Souza (PMDB-PR), disse que os depoimentos à CPI reforçam os indícios de irregularidades na gestão dos recursos dos fundos de pensão. Ele disse que a comissão encerra o trabalho em março e enviará relatório às autoridades para que sejam apuradas responsabilidades na esfera criminal. Segundo Souza, várias pessoas serão indiciadas. “Não temos dúvida que houve má gestão dos recursos, ingerência política e a corrupção está nos fundos de pensão.”
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