Além da amortização que é cobrada antes da hora e que não cumpre a sua função, mutuários da Caixa Econômica Federal não têm a informação clara de quando a obra vai terminar: o contrato prevê uma data, mas na prática os consumidores não sabem que esse prazo pode ser extrapolado. Uma "bola de neve" de desinformação nos contratos permite que o imóvel não fique pronto no período previsto e impõe ao consumidor encargos sobre uma obra que já deveria ter sido concluída.
Um ponto polêmico do contrato que afeta diretamente a vida dos mutuários é a cláusula 4.ª, que trata do prazo de construção. O parágrafo único da cláusula, do contrato de financiamento com recursos do FGTS, informa que "findo o prazo fixado para o término da construção, ainda que não concluída a obra, os recursos remanescentes permanecerão indisponíveis, dando-se início ao vencimento das prestações de amortização".
Uma leitura rápida leva o consumidor a acreditar que, passado o prazo de construção previsto em contrato, ele passa a pagar a parcela de amortização que abate seu saldo devedor e deixa de pagar os encargos. Mas não é bem assim. Segundo o contrato, o prazo não será necessariamente aquele informado; pode ser maior, desde que "não ultrapasse o estatuído nos atos normativos do CCFGTS, do SFH e da CEF, sob pena de a CEF considerar vencida a dívida".
Essas siglas fazem toda a diferença. A frase pode ser traduzida da seguinte maneira: caso não consiga entregar a obra no prazo previsto (aquele que o consumidor leva em conta para planejar sua vida), a construtora pode pedir mais tempo à Caixa. A soma dos prazos, dependendo do contrato, pode chegar a 36 meses ou seja, até 17 meses acima do previsto em contrato.
O mutuário não tem essa informação de forma clara: para isso, precisaria conhecer os atos normativos do CCFGTS, o Conselho Curador do FGTS, que legisla sobre a aplicação desses recursos. Aventurar-se pelas resoluções do órgão para tentar encontrar informações sobre o prazo de construção, porém, pode ser uma viagem sem fim.
De acordo com a Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), os consumidores podem mover uma ação judicial pedindo que os valores pagos como encargos da construção após a data prevista para a entrega da obra sejam revertidos em amortização. "O consumidor planeja sua vida com base no que está no contrato. Não pode ficar sujeito a mudanças no organograma da construtora ou a informações que não são claras", explica o diretor da ABMH-PR, José Antunes dos Santos.
A coordenadora do Procon-PR, Claudia Silvano, ressalta que, além de não permitir que o consumidor se programe, a cláusula não explica as diferenças entre os prazos de construção e de entrega das chaves. "Se há a possibilidade de a Caixa prorrogar o prazo, é necessário que o consumidor fique sabendo disso, porque pelo texto ele entende que o prazo é aquele. Não prestar esta informação contraria o Código de Defesa do Consumidor."
A Caixa informou, pela assessoria de imprensa, que já foi solicitada uma adequação à cláusula 4.ª dos contratos de financiamento imobiliário, com a finalidade de deixar mais claro que há a possibilidade de prorrogação no prazo de entrega.