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Os mercados iniciaram a semana esperançosos e animados: no dia anterior, o governo dos Estados Unidos havia anunciado um plano para "resgatar" duas gigantes do financiamento imobiliário do país em graves dificuldades. Na Ásia, bolsas subiram mais de 5%; em Nova York, o principal indicador teve alta de 2,58%. Mas a euforia durou pouco.

Já no dia seguinte os mercados voltaram a acusar perdas, com novas notícias de reveses no setor de crédito. "A encrenca é que ninguém sabe qual o tamanho do buraco. A cada dia aparece uma coisa nova e só daqui a 20 anos é que se vai conhecer a extensão disso", Tharcísio Souza Santos, diretor do Faap MBA.

As últimas avaliações dão conta de que o rombo deve alcançar US$ 1,6 trilhão – mas, como já ocorreu várias vezes, esse valor ainda pode crescer.

É no tamanho e na complexidade do sistema de crédito imobiliário dos Estados Unidos, dizem os especialistas, que tem origem o potencial "destrutivo" de uma crise no setor, capaz de se espalhar pela economia mundial. Diferente do Brasil, lá o imenso mercado de crédito imobiliário permeia diferentes instrumentos financeiros, potencializando as crises.

Como comparação, todas as operações de crédito imobiliário no Brasil somam cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Enquanto isso, só as gigantes socorridas pelo governo dos EUA no último dia 7 de agosto, Fannie Mae e Freddie Mac, somam US$ 5,6 trilhões em operações – quase cinco vezes o PIB brasileiro.

Ciclo do crédito

No Brasil, o crédito imobiliário tem um ciclo bastante curto. O mutuário toma um empréstimo junto a um banco e dá o imóvel como garantia, na forma conhecida como alienação fiduciária. Se a dívida não for paga, o banco retoma o bem e o vende a outro, recuperando o dinheiro emprestado. Esses recursos, por sua vez, têm apenas duas origens possíveis: a poupança e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Nos Estados Unidos, o processo é bem mais complexo. O mecanismo, criado em 1933, está baseado em um processo de securitização – forma em que, em última análise, o imóvel é financiado com dinheiro do mercado de capitais.

Funciona assim: as instituições financiadoras – que nem sempre são bancos – captam recursos à base de depósitos, que emprestam a mutuários e construtoras. Em seguida, emitem títulos, lastreados nos créditos que têm a receber, que vendem a fundos de investimento no mercado de capitais. Cotas desses fundos, por sua vez, são vendidas a pessoas físicas e jurídicas.

"Quando tem algum problema nesse sistema, é uma queda de dominós", explica o professor Marcus Manduca, da Fundação Instituto de Administração (FIA). "O risco não está circunscrito. Está todo mundo envolvido, é uma festa" completa o professor da Faap.

Colchão de segurança

Os especialistas também apontam uma diferença com relação às leis que regulamentam o crédito imobiliário no Brasil e nos Estados Unidos.

Segundo Carlos Stempniewski, professor das Faculdades Integradas Rio Branco, as leis brasileiras, mais atuais, fazem do mercado nacional mais sólido. "Nossas leis prevêem um número de situações de uma maneira mais rica. Nesse particular, estamos na frente deles", afirma.

Faz diferença, também, a estruturação das próprias instituições concessoras de crédito. Lá fora, muitas empresas tratam apenas desse tipo de operação, tornando-se muito vulneráveis.

Já no Brasil, a operação é tradicionalmente feita por bancos múltiplos, instituições em que o financiamento representa apenas uma parcela dos negócios, o que cria um "colchão de segurança" em caso de problemas no setor.

Risco brasileiro

Por conta das diferenças em relação ao mercado norte-americano, as chances de uma crise hipotecária nacional são muito reduzidas, segundo os especialistas. Além disso, o mutuário de alto risco de crédito é um desconhecido do sistema brasileiro que, até pouco tempo, só financiava imóveis a clientes com chances de inadimplência muito pequenas.

"Um problema no mercado de crédito imobiliário brasileiro provavelmente não vai ter tanta velocidade nem volume no curto prazo a ponto de gerar uma crise. E mesmo que houvesse uma crise, dificilmente teria a mesma magnitude. O potencial de estrago deles é muito maior", diz Manduca, da FIA.

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