Os avanços na votação do projeto que regulamenta a terceirização de mão de obra (PL 4.330/2004) estão reacendendo o debate sobre as relações de trabalho no Brasil, após uma década de poucas discussões nessa área. De um lado, a classe empresarial e a maior parte dos deputados federais defendem a mudança; de outro, centrais sindicais, movimentos sociais e órgãos como o Ministério Público do Trabalho (MPT) veem retrocesso na medida.
Como é comum em debates trabalhistas, o conflito se dá a partir da dificuldade de conciliar as ideias de modernizar a atividade empresarial e de preservar direitos dos trabalhadores. Em trâmite há mais de uma década, o projeto avançou nas últimas semanas – teve o texto-base aprovado e aguarda a votação de destaques (emendas) na Câmara dos Deputados, antes de seguir ao Senado – e desencadeou intensos movimentos favoráveis ou contrários à proposta.
Os apoiadores têm ido a Brasília pressionar a classe política, enquanto os refratários promoveram protestos em diversas cidades do país na última semana. As divergências são grandes e acontecem, inclusive, entre colegas – o PSDB está reavaliando a posição adotada na aprovação do texto-base, enquanto o governo federal abriga setores que discordam entre si sobre o teor do projeto.
Gestão petista
A volta do tema à agenda pública acontece pela primeira vez durante um governo do PT, historicamente ligado ao trabalhismo e que enfrenta dificuldades para impor sua pauta no Congresso. As últimas mudanças significativas na lei trabalhista brasileira ocorreram sob o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), com medidas como criação do contrato temporário e regulamentação do banco de horas e do acordo de compensação da jornada.
Professor de Direito Trabalhista da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Sidnei Machado observa que o país não avançou no sentido de uma reforma coesa e unificada, mas rumou por avanços pontuais e nem sempre convergentes – a terceirização é o capítulo mais recente desse avanço desordenado. “O Brasil tem muitas políticas trabalhistas contraditórias, sem padrão: há medidas que ampliam os direitos dos trabalhadores e, logo depois, vêm medidas que as restringem.”
Enquanto as alterações feitas pelo PSDB atenderam especialmente a demandas empresariais, as do PT – como regulamentação do aviso prévio e PEC das Domésticas – estiveram mais relacionadas às causas trabalhistas, o que torna surpreendente a votação da terceirização durante a gestão petista. “Se este projeto for aprovado, será uma vitória do empresariado e uma grande derrota para o PT”, analisa o advogado trabalhista Rodrigo Fortunato Goulart, coordenador da Câmara de Trabalho e Previdência da Associação Comercial do Paraná (ACP).
O Brasil é um dos países com as regras trabalhistas mais rígidas do mundo: aparece nas posições 135 e 125 em indicadores globais de práticas de demissão e contratação, e flexibilidade na determinação de salários, respectivamente, que formam um ranking do Fórum Econômico Mundial.
Ocorre que a flexibilização dessas relações, embora seja defendida pela classe empresarial, não necessariamente se reverte em desenvolvimento. Estudos como o Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, em que o Brasil figura na modesta 118ª posição, indicam que fatores como respeito ao direito de propriedade e maior abertura comercial parecem ter relação mais forte com o desenvolvimento.
Não à toa, mais de 60% da agenda de propostas prioritárias elaborada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) versa sobre temas não ligados às relações de trabalho, como questões tributárias e ambientais.