Para aqueles que apreciam um pouco de História, começarei o artigo de hoje com uma célebre frase que tem muito a ver com este tema. Sérgio Buarque de Hollanda - o jornalista, não o cantor - disse há algumas boas décadas o seguinte: "O brasileiro é um povo cordial". Logo em seguida, muitos criticaram a frase, fazendo correlações com problemas da sociedade, fossem eles culturais ou educacionais. Mas o que poucos sabem ou lembram é que a cordialidade a que ele se referia não era relativa à educação ou polidez, por exemplo, mas estava ligada ao significado literal da palavra "cordialidade": relativo ao coração; afetuoso; afável. Isso quer dizer que o nosso povo, de maneira geral, deixa os impulsos da emoção falarem mais alto que os da razão.
Tragamos esse conceito ao assunto do artigo de hoje. Suponhamos que você fosse, nesse momento, e por algum milagre, escolhido como o novo Presidente da República, e tivesse apenas trinta minutos para nomear todos os seus ministros. Pense rápido em quem você nomearia. Certamente estarão na lista familiares e amigos. Ou seja, aqueles que você confia e/ou gosta.
Essa mesma cordialidade nos afeta em outro aspecto. Suponhamos agora que você tivesse que demitir todas estas pessoas e escolher uma equipe totalmente nova. Seria muito difícil demitir o cônjuge, os familiares e amigos, certo?
Não sou contra trabalhar com familiares. O processo de sucessão da minha empresa para o meu filho começou há algum tempo e, além dele, minha esposa trabalhou na De Bernt Entschev assim que foi aberta, em 1986, por oito anos. Esta é a realidade da maioria das empresas no Brasil, que começam com um pequeno negócio, um pequeno investimento e alguns sócios, e aos poucos vão crescendo. O problema está em saber separar as relações.
Não há como, todos os dias pela manhã, deixarmos nosso "eu-pessoal" em casa e irmos somente com o nosso "eu-profissional" ao trabalho, e vice-versa. Somos a mesma pessoa, carregamos os nossos comportamentos e valores para todos os lugares e somos, comprovadamente, afetados pelo que nos circunda em ambos os ambientes, positiva ou negativamente.
Por isso, grave na memória o seguinte conceito: nunca contrate alguém que você não possa demitir a qualquer momento. Basta imaginar-se demitindo a esposa ou marido, o filho, o pai ou o irmão.
Cobrança
Com exceção de algumas empresas de grande porte e multinacionais que tiveram sua gestão profissionalizada, acredito que todos já tenham visto ou passado por uma corporação em que a família trabalhasse junto. Nessa situação, dois comportamentos são bastante comuns.
No primeiro deles, os familiares contratados são cobrados de maneira excessiva por resultados ou desempenho. Geralmente isso acontece pelo fato de o contratante ter a necessidade de mostrar aos demais funcionários que os familiares não estão ali por causa de um "favor" ou do parentesco. Estão ali porque merecem.
A segunda situação é angustiante, principalmente para os demais funcionários. É quando o familiar pouco ou nada faz pela empresa e, mesmo assim, não sofre as mesmas penas que outro profissional qualquer seria submetido nas mesmas condições de desempenho.
Profissionalizando a gestão da empresa
À medida que as novas e pequenas empresas crescem, a concorrência passa a sentir sua presença e a clientela aumenta e fica mais exigente. Muitas vezes então, a complexidade dos problemas que surgem com o crescimento da empresa chegam a um ponto em que a resolução destas novas necessidades está além das possibilidades do negócio, e da capacidade técnica dos fundadores.
A partir deste ponto é que muitas famílias optam por iniciar a profissionalização de sua gestão. Pode-se contratar uma consultoria para fazer um estudo da organização, para analisar se os cargos e funções estão corretos, se a estrutura está inchada, realizar um Assessment dos atuais profissionais, colocando todos sob a mesma régua de avaliação para realoca-los de maneira mais eficiente. Dentre os caminhos mais comuns para esta profissionalização também estão: a criação de um conselho de administração, a elaboração de um documento formal com normas de admissão e demissão de familiares e a contratação de um executivo que poderia indicar o caminho certo para o crescimento da empresa e para contornar estes novos problemas, por exemplo.
Para finalizar, reitero que o consenso é algo crucial nestas decisões familiares a respeito do futuro da empresa. Isso, aliás, tem muito a ver com outra célebre frase de Peter Drucker, que gostaria de utilizar para finalizar este artigo: "O planejamento não diz respeito às decisões futuras, mas às implicações futuras de decisões presentes". Pense com carinho e muito profissionalismo na sua empresa, e certamente o seu futuro, das próximas gerações de familiares, e da empresa, estarão garantidos.
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