O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, chamou a economia norte-americana de “desastre”, mas em Sioux Falls, Dakota do Sul, Scott Lawrence, empresário local e eleitor de Trump, tem uma visão diferente.
“As empresas que sofreram no começo do ano se fortaleceram. Estou mais otimista do que há seis meses”, diz Lawrence, gerente de uma agência de publicidade local, a Lawrence & Schiller, que emprega 95 pessoas.
Lawrence está investindo na empresa, que contratou cinco funcionários desde o final do ano passado, incluindo estrategistas digitais e designers de conteúdo, e pretende contratar mais quatro em breve.
Embora Trump tenha conseguido abocanhar a Casa Branca retratando uma economia norte-americana em frangalhos, muitos fundamentos econômicos são sólidos.
Sem dúvida, existem problemas reais que Trump identificou em sua campanha. Entre eles, o crescimento do salário-mínimo para trabalhadores menos qualificados, um número quase recorde de norte-americanos fora da força de trabalho e o desaparecimento dos empregos industriais. Ainda assim, muitos economistas dizem que o programa de Trump – propondo redução de impostos, diminuição de regulamentações e reabertura de acordos comerciais – não vai alterar essas tendências.
“Cortar impostos não deve estimular a participação na mão de obra nem reverter o envelhecimento da população. E menos regulamentação pode ter um impacto positivo para o crescimento em longo prazo, mas é improvável que mude alguma coisa nos próximos dois anos”, afirma Michael Gapen, economista-chefe do Barclays nos EUA.
Muitos trabalhadores de baixa renda estão tendo ganhos no ano novo graças a algo visto como maldição pelas políticas republicanas tradicionais: a regulamentação pública. Dezenove estados aumentaram o salário mínimo em primeiro de janeiro, com Arizona, Washington e Maine elevando o piso em pelo menos US$ 1,50 por hora.
Mesmo em estados onde o reajuste não é tão grande, como na Califórnia – US$ 0,50 por hora –, um em cada dez trabalhadores teve aumento. Como em muitos assuntos, Trump deu sinais conflitantes sobre o tema, sugerindo às vezes durante a campanha que as elevações eram justificadas, mas alertando nos debates nas primárias que os salários estavam “muito altos”.
Seja lá o que for que Trump termine decidindo sobre o salário mínimo, seus planos econômicos podem, na melhor das hipóteses, produzir resultados ambíguos para os operários, a base da região conhecida como “Rust Belt” (Cinturão da Ferrugem).
Para Gapen, as políticas comerciais protecionistas produzirão tanto ganhadores quanto perdedores, ou seja, uma reviravolta para muitos setores e trabalhadores e não uma repentina trajetória melhorada para o crescimento e o emprego como um todo.
Na verdade, como empresário, Lawrence está animado diante da perspectiva de corte nos impostos. “Em termos de Trump, eu votei tanto na plataforma quanto no indivíduo. Pagar menos impostos me permite investir nos meus negócios”, diz ele.
Isso se traduz em decisões individuais sobre contratações e investimentos, mas embora os cargos que Lawrence esteja preenchendo sejam de empregos de classe média em Sioux Falls – entre US$ 45 mil e US$ 50 mil por ano, mais benefícios –, todos exigem diploma universitário ou outra formação técnica.
Ajudar trabalhadores sem diploma universitário – entre os principais apoiadores de Trump e quase 60% da força de trabalho dos Estados Unidos – é muito mais difícil.
Trump diante de um dilema
Economistas como Nariman Behravesh, da IHS Markit, que diz que as propostas de Trump poderiam elevar o crescimento de forma significativa nos próximos dois anos, reconhece o dilema.
“O crescimento mais forte vai ajudar na questão da baixa participação, mas não os trabalhadores deixados para trás por falta de qualificação”, assegura Behravesh.
Isso é especialmente verdade no setor fabril, que deve empregar trabalhadores mais qualificados no futuro, ainda que em menor número do que no passado.
“É aí que discordo de Trump. Muitos desses empregos industriais sumiram para sempre. Ele está criando expectativas, mas não vai dar certo. Mesmo que não terminem no México, muitos cargos serão automatizados e extintos”, diz Behravesh.
O resultado final das propostas de Trump que o Congresso aprovar vai depender de o resultado ser pesado em cortes fiscais e gastos na infraestrutura ou de medidas protecionistas como tarifas mais altas, dizem economistas.
Qualquer que seja o caso, os cortes nos impostos e os planos de gastos na infraestrutura devem ser reduzidos no Congresso, principalmente se os falcões do déficit voltarem a entrar em ação. Ao mesmo tempo, o aumento da taxa de juros e um dólar forte servirão como vento contrário venha o que vier de Washington.
O maior perigo econômico com Trump vem de tarifas e outras medidas protecionistas, principalmente se provocarem uma reação de países como China e México. E, ao contrário de impostos e gastos, onde a ação do Congresso é necessária, com as tarifas o governo tem margem de manobra considerável para impô-las sobre países que considere parceiros comerciais injustos ou manipuladores de moedas.
“Pode-se defender a igualdade de tratamento. No fim das contas, porém, o consumidor terá produtos mais caros”, diz Gapen.
Behravesh espera que o país cresça 2,3% neste ano, contra estimados 1,6% no ano passado. O crescimento poderia chegar a pelo menos 2,6% em 2018, mas é muito improvável que atinja o alvo de 4% de crescimento citado por Trump durante a campanha.
“Eu acreditaria em 3%, mas não dá para chegar lá neste ambiente”, avalia Behravesh.
O problema está na indústria
Seja qual for o número do crescimento, a economia parece ter um aspecto de tudo ou nada, o que explica a desconexão entre o retrato das condições feito por Trump e Lawrence, o eleitor do presidente que está contratando em Sioux Falls.
Em escala nacional, o setor de profissionais administrativos ou de serviços, o que inclui empresas como a de Lawrence, contrataram mais de um milhão de pessoas nos dois últimos anos. O emprego nas áreas de educação e saúde cresceu em nível similar, e a construção civil dá sinais de vida.
Já a indústria tem sofrido, prejudicada pelo dólar forte, automação e a mudança contínua da produção para locais mais baratos no exterior, questão que Trump transformou em bandeira. Nos últimos dois anos, as fábricas cortaram 51 mil trabalhadores.
Mesmo assim, muitos dos estados onde a recuperação da recessão foi mais lenta ganharam fôlego nos últimos tempos. O índice de desemprego em Rhode Island no verão de 2009 estava entre os mais altos do país, em 11,3%, com perdas imensas registras no setor manufatureiro.
Agora, Rhode Island está lucrando com a abertura de centros de tecnologia da General Electric, Johnson & Johnson e Virgin Pulse, parte do império Virgin, de Sir Richard Branson. A taxa de desemprego caiu a menos da metade no estado.
“Estamos chegando à média nacional, o que é uma grande conquista dada a história de Rhode Island”, diz Stefan Pryor, secretário do comércio do estado.