Os atuais critérios de distribuição dos royalties são complexos e controversos, e o Congresso parece se distanciar de um caminho intermediário, que promova uma distribuição menos desigual desses recursos sem arruinar as finanças de grandes produtores. Mas há ao menos uma certeza nesse debate: a forma como essas riquezas têm sido aplicadas vai na contramão de todos os princípios que justificam o pagamento de compensações.
O professor de Direito do Petróleo José Vicente de Mendonça, da FGV, diz que a doutrina jurídica é controvertida em relação à natureza dos royalties. "Há um entendimento segundo o qual eles servem para compensar o risco social, em função da atração de milhares de pessoas para áreas produtoras, e a eventual degradação ambiental desses locais. Mas também há o entendimento de que eles devem servir à justiça intergeracional, ou seja, construir um legado que permita às próximas gerações o acesso às riquezas produzidas por recursos esgotáveis."
Qualquer que seja a interpretação, vários estudos mostram que os royalties raramente são usados em investimentos sociais ou ambientais, e muito menos para promover a justiça intergeracional. A fatia que cabe à União, por exemplo, é sistematicamente "congelada" no Orçamento, e acaba sendo usada para o pagamento de juros da dívida. Foi esse o destino de quase 90% dos R$ 25 bilhões arrecadados pelo governo federal entre 2003 e 2007, conforme estudo publicado no fim de 2008 pelos economistas José Roberto Rodrigues Afonso e Sérgio Wulff Gobetti.
O mesmo trabalho mostra que os municípios confrontantes aos grandes campos têm "propensão de gastar a riqueza do petróleo em despesas correntes", em especial no pagamento de servidores. Os valores destinados ao ensino fundamental são semelhantes em municípios com e sem royalties, ao passo que cidades beneficiadas pela compensação chegam a gastar menos com saúde que as demais. E, em qualquer tipo de município, dizem Afonso e Gobetti, os investimentos em gestão ambiental são quase sempre irrisórios.
Sem transparência
Em texto publicado em julho passado, Bruno de Oliveira Cruz e Márcio Bruno Ribeiro, técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), concluem que "não há transparência na alocação dos recursos e o controle, em especial daqueles destinados aos municípios, é bastante precário". Além disso, afirmam, "evidências empíricas sugerem que os recursos destinados a municípios não têm contribuído para o desenvolvimento local".
Na tentativa de reduzir tais distorções, ou apenas de agradar os eleitorado, deputados e senadores apresentaram mais de 30 projetos de lei propondo mudanças na legislação dos royalties entre 1999 e 2005, de acordo com levantamento do pesquisador Daniel Bregman. Após a descoberta do pré-sal, surgiram nove propostas do gênero no Senado apenas em 2008, segundo Cruz e Ribeiro.
Nesses projetos, dizem os técnicos do Ipea, fica clara a intenção de reduzir as distorções da legislação em vigor, seja propondo mais recursos a educação, saúde, previdência e infraestrutura, seja reduzindo a fatia dos "entes subnacionais" (estados e municípios). Entretanto, afirmam, "ainda são minoria as propostas que tenham alguma preocupação com as gerações futuras, isto é, que visem à preservação ambiental ou à formação de poupança".
Anunciada após a publicação do artigo de Cruz e Ribeiro, a proposta do Fundo Social incluída no pacote de projetos de lei do pré-sal se alinha ao conceito de promoção de justiça intergeracional, e foi das poucas a ter aprovação unânime entre especialistas e parlamentares. Entretanto, o projeto, que ainda será apreciado no Senado, corre o risco de ser desfigurado por dezenas de emendas oportunistas. Na Câmara, houve quem sugerisse a permissão para uso imediato de parte dos recursos do Fundo Social, e foi aprovado o uso de recursos dessa poupança para funções como a recomposição do valor das aposentadorias acima de um salário mínimo.
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