Guilherme Dobrezanski Marques, ex-vítima do bullying e ativista contra a prática| Foto: Aniele Nascimento/ Gazeta do Povo

Relato

As punições não adiantaram e a violência continuou

Alexandre Saldanha, ex-vítima de bullying, autor do blog Bullying e Direito.

"Fui vítima do bullying por quase toda a minha vida escolar. Dez anos de perseguições. Fui uma criança gordinha e com problemas motores que não conseguia jogar bola e nem era tão ágil para brincadeiras em grupo. No início, tudo acontecia dentro da sala de aula, durante o recreio e nas aulas de Educação Física. O problema foi levado para a coordenação pedagógica que sugeriu uma mudança de turma.

Como os alunos interagiam, logo todos souberam dos apelidos e também começaram a ofender. Novamente o problema foi levado à orientação, que tomou duas mediadas errôneas. A primeira foi chamar alguns dos meus agressores para tomarem broncas e me pedirem desculpas. A segunda foi entrar em sala de aula e fazer os demais agressores pedirem desculpas a mim.

Essas "medidas pedagógicas" pioraram a situação. Além de fomentar o ódio dos demais alunos, meus apelidos se espalharam pelo bloco inteiro e eu me isolei dos alunos na hora do recreio para não ser ridicularizado.

Fui transferido de instituição porque se tornou insuportável a permanência lá. Desde então, decidi que estudaria a fundo uma forma de proteger quem sofre este tipo de agressão. Há sete anos me dedico a pesquisas científicas sobre o bullying sob a ótica do Direito e, em 2011, fundei a Liga Antibullying, hoje com mais de 300 membros."

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Como lidar

Confira as principais orientações para combater o bullying:

• Leia sobre o assunto e insira o tema em conversas com os filhos. Usar exemplos noticiados pelos jornais pode ser uma boa maneira de começar um diálogo.

• Manifeste apoio e atenção ao tomar conhecimento de algum caso. Mostre que seu filho pode se sentir seguro e que vai protegê-lo.

• Procure a coordenação ou direção da escola, mas tenha calma para tentar encontrar uma solução em conjunto. Não procure os pais do possível agressor para tirar satisfação, eles podem agir de forma negativa e a situação ficar mais difícil.

Fonte: especialistas entrevistados.

Definição

A definição usada na pesquisa Pense considera o bullying (do inglês, bully = valentão, brigão) como comportamentos com diversos níveis de violência, que vão desde chateações inoportunas ou hostis até fatos francamente agressivos, sob forma verbal ou não, intencionais e repetidas, sem motivação aparente, provocados por um ou mais alunos em relação a outros, causando dor, angústia, exclusão, humilhação, discriminação, entre outras sensações.

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"O bullying está atrelado ao dano e não à prática. Não basta haver um ato ofensivo se a vítima não se abalou o suficiente ao ponto de se sentir inferiorizada ou deprimida. Apelidos e xingamentos são comuns no ambiente escolar, se a vítima sabe lidar com isso, não se abala e revida, não é bullying."

Guilherme Dobrezanski Marques, ex-vítima do bullying e ativista contra a prática.

Esculachar, zoar, intimidar e caçoar são verbos conjugados na prática por alunos das escolas brasileiras. Agressões contra os colegas são admitidas por 20,8% dos estudantes. O resultado faz parte da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense), que ouviu cerca de 100 mil jovens de 13 a 15 anos matriculados no 9.º ano do ensino fundamental em escolas de todo o país.

O estudo também revela que 35,4% dos alunos confirmam ter sido agredidos, humilhados ou hostilizados pelos colegas nos 30 dias que antecederam a pesquisa, feita entre abril e setembro de 2012. Nesse cenário, 7,2% disseram que a prática é frequente e 28,2% afirmaram que ocorre raramente ou às vezes.

Ainda segundo a pesquisa, o bullying atinge mais os meninos e mostra-se mais recorrente nas escolas privadas do que nas públicas. A Pense foi feita a partir de uma parceria entre os Ministérios da Saúde e da Educação com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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Enquanto o governo avança, buscando conhecer a dimensão do problema entre alunos das diferentes regiões do país, as políticas públicas não acompanham. Para o psicólogo Cloves Amorim, professor de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), todos os projetos de lei que tratam do tema são "péssimos e equivocados", pois têm o princípio do diagnóstico e da punição, quando deveriam promover a prevenção, propondo uma cultura de paz nas escolas.

"São matérias originadas no calor de eventos, quando políticos oportunistas correram para elaborar leis que são frágeis conceitualmente e que não têm clareza do fenômeno", avalia Amorim.

Vítima

A forma como o governo atua contra o bullying também precisa melhorar na opinião de Guilherme Dobrezanski Marques, que conviveu com o bullying nos anos escolares principalmente por ser "tímido e franzino". Hoje, Marques tem 25 anos e, formado em Direito, estuda o tema em sua dissertação de mestrado. "Os projetos de lei criminalizam o bullying, o que é errado. O bullying se combate com educação e com a qualificação das instituições de ensino para lidarem com ele. Não com punições", diz.

De forma geral, as escolas não se mostram preparadas para lidar com a questão. Marques diz que, nos tempos de agressões, nunca pediu socorro, pois tudo ocorria na frente dos professores, que nunca interviram. "Fora do colégio, eu também não procurava ajuda, até porque é uma situação humilhante que você vai ter que se expor e, por vergonha, acaba não contando para alguém", diz.

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Bullying não é brincadeira

O que diferencia o bullying de uma brincadeira é a intenção do agressor de causar sofrimento, a frequência das ofensas e o desequilíbrio de poder que leva à intimidação da vítima. O fato de ainda haver muita gente que encara o bullying com desdém atrapalha o enfrentamento ao problema. Achar que o bullying é frescura ou que se trata de uma dificuldade que torna a vítima mais forte é um erro comum, segundo o psicólogo Cloves Amorim. "O que mais se quer na vida é se sentir pertencente a um grupo, é conquistar a confiança de um igual e, por isso, é tão terrível quando os pares menosprezam", diz a pedagoga Luciene Tognetta.