Encontrar dois treliches e dois colchões no chão do quarto onde viviam oito estudantes foi algo impactante para Marco Ferreira, que buscava um lugar para morar. Ele havia desembarcado no Rio, vindo de Lagoa da Prata, em Minas Gerais, movido pelo sonho de fazer cinema na Universidade Federal Fluminense (UFF). O proprietário do imóvel foi encontrá-lo em frente à instituição, em Niterói, para levá-lo até a casa. Além do quarto coletivo, a segunda opção seria um “individual”, como era chamada a despensa do imóvel, com modestos 1,70m x 1,70m. Mas a oferta não poderia ser aceita: Marco mede 1,80 de altura.

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“O cara fechou a porta e me mandou embora, dizendo que eu não caberia lá. Ele ainda queria cobrar R$ 1 mil pelo tal quarto, com um colchão no chão. É surreal a maneira como as pessoas estão se aproveitando das necessidades dos estudantes para lucrar de qualquer jeito. A gente que é de fora vai fazer o quê?”, lamenta Marco.

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O mineiro não está só nesta busca por moradia. Desde a implantação do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), em 2010, aumentou o número de jovens vindos de outros estados para as universidades federais do Rio. De acordo com o Ministério da Educação (MEC), pelo menos 19.363 estudantes se deslocaram pelo Brasil, no primeiro semestre de 2014, por meio do programa. Há seis anos, foram 8.353 alunos no mesmo período.

Devido à demanda, cresceu a oferta de vagas em repúblicas, mas a qualidade dos serviços prestados — que não sofrem nenhum tipo de fiscalização — não tem seguido a mesma cartilha. Com isso, a experiência dos calouros nem sempre é positiva. Alguns ficam reféns de contratos informais, com regras e preços abusivos.

“Todas as minhas experiências foram negativas. Parece que os donos acham que só porque a gente precisa muito tem que se sujeitar a qualquer coisa. Alguns preferem que o estudante passe o dia fora, para chegar em casa só à noite. Você acaba pagando caro apenas para dormir”, conta a paulista Gabriela Barreto, estudante de direito da UFRJ, que hoje mora no alojamento da universidade, no Fundão.

Rosângela Castro, dona de dois estabelecimentos para mulheres em Botafogo, conhece bem a dificuldade enfrentada por estudantes como Gabriela. No celular, um número desconhecido pisca na tela. O DDD é 85. Minutos depois, outra ligação de telefone não cadastrado. Desta vez, DDD 61. São possíveis clientes para uma de suas 30 vagas: um quarto sem banheiro com dois beliches sai a R$ 750 por mês.

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“Pessoas do país inteiro me ligam para conseguir uma vaga. São estudantes que chegam aqui precisando de um lugar para morar. Sou muito criteriosa com o perfil de quem escolho receber, mas sei que a maioria dos locadores não tem essa preocupação. As meninas que moram comigo já relataram coisas terríveis de outros lugares”, afirma Rosângela, cuja principal renda vem dos aluguéis pagos pelas universitárias.

Gustavo Kloh, professor de direito civil da Fundação Getulio Vargas, diz que as universidades devem começar a pensar em soluções para o problema, seja recomendando endereços ou desaconselhando outros.

“Na ausência de alojamentos satisfatórios, o estudante precisa recorrer a terceiros. As pessoas se esquecem que estudar longe de casa é caro. Hoje, esse tipo de moradia funciona com contratos informais, está no âmbito privado, e a prática não configura crime. O único ato ilícito seria fazer sublocação”, explicou Gustavo.

Às margens da Baía de Guanabara, onde fica o maior campus da UFRJ, uma antiga vila de moradores da universidade serve de exemplo para esse boom de repúblicas estudantis nos últimos anos. Muitos moradores foram viver em outro lugar e alugaram seus imóveis para alunos. Eles também cobram por um quarto ou constroem cômodos só para hospedar os jovens.

“Eu pergunto: que preços você está encontrando por aí? Então cobro a mesma coisa. Para mim, é ótimo”, disse uma das moradoras, que não quis se identificar.

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Sem regras estabelecidas

A falta de critério para estabelecer valores desagrada. “É um comércio. Vem gente do país inteiro bater nas portas das casas. Depois de um tempo, alguns acabam indo para bairros como a Ilha do Governador, porque muitas vezes não compensa pagar o preço que cobram aqui”, conta Caetano Costa, estudante de engenharia civil, que paga R$ 450 por uma vaga em república na vila da UFRJ.

No alojamento da UFRJ, barracas de acampamento foram montadas como alternativa para quem não consegue assistência da universidade ou não tem dinheiro para pagar moradia particular. Só na federal, 22% dos alunos da graduação são de fora do Rio, como a alagoana Vitória Gonzaga. Na impossibilidade de alugar um imóvel por conta da burocracia, a república foi a melhor solução encontrada por ela.

“Para a gente, é notório que esse tipo de moradia vem crescendo. O perfil do universitário está mudando, mas a assistência estudantil não acompanha. No Rio, donos de repúblicas pedem o que querem, pois não falta estudante precisando”, conta Vitória, que paga R$ 650 para dividir o quarto com mais três pessoas em Copacabana.

A movimentação cada vez maior dos estudantes pelo território nacional tem um impacto direto nos gastos das universidades com assistência. Na Europa e nos Estados Unidos, a mobilidade de universitários é uma prática natural no ensino superior há décadas. Em nota, o MEC informou que “O Enem/Sisu, associado à política de cotas e demais ações afirmativas, vem transformando a realidade do campus universitário em todo o país, fazendo dele um ambiente socioeconômico mais representativo da população brasileira”.

Legislação é falha

De acordo com a Secretaria municipal da Ordem Pública, não são considerados estabelecimentos destinados à prestação de serviços de hospedagem “as residências familiares nas quais se aluguem até três quartos, mediante contrato de aluguel por período indeterminado, cuja remuneração é mensal”. Nesse sentido, não é necessário alvará. A Assembleia Legislativa do Rio informou que não há no estado lei nem projeto em tramitação que faça menção a repúblicas estudantis.

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