E se os alunos assistissem às aulas expositivas em casa e fizessem os deveres em sala de aula? A ideia de inverter a ordem da aprendizagem tradicional foi colocada em prática por dois professores de Química, Jonathan Bergmann e Aron Sams, em 2007, em uma escola de uma cidade pequena e predominantemente rural do Colorado, nos Estados Unidos. Os dois perceberam que muitos alunos faltavam às aulas por conta de competições esportivas ou outras dificuldades, e ficavam atrasados em relação ao resto da turma. Por isso, decidiram gravar a parte expositiva de suas aulas, o que ajudaria esses alunos e de quebra facilitaria a vida dos próprios professores, que não precisariam repetir várias vezes a mesma explicação. A iniciativa dos dois educadores é explicada no livro “Sala de Aula Invertida – Uma Metodologia Ativa de Aprendizagem”, da Editora LTC, que acaba de ser lançado no Brasil.
VÍDEO: Salas de aula ‘invertida’ em outros países
Com a ajuda de um software que gravava apresentações Power Point em formato de vídeo, incluindo voz e anotações, eles começaram a gravar as aulas e publicar o conteúdo em um site. Os vídeos permitiam ao estudante pausar o conteúdo para fazer anotações, voltar e assistir novamente se não compreendessem – o que nem sempre conseguem fazer com o professor em sala de aula.
Uma das grandes questões que aparece para os professores é o que fazer se os alunos não assistirem aos vídeos? E se eles são tiverem acesso à internet em casa?
Os professores se deram conta de que o momento em que os alunos mais precisavam deles era quando a dificuldade surgia ao fazer as tarefas e desafios, e não na aula expositiva. “A mágica realmente acontece na aula. Como a parte expositiva ficou fora da sala, em classe você pode ajudar mais como um tutor do aluno, acompanhá-lo de perto. O professor pode desenhar atividades mais intrigantes, projetos de aprendizagem, experimentos, debates”, enumera Bergmann, em entrevista ao Porvir.
Esse método ficou conhecido como sala de aula invertida (flipped classroom, em inglês) e, com a popularização do uso de tecnologia na educação, ganha adeptos pelo mundo. Primeiro, foram os vídeos de Bergmann e Sams que chamaram a atenção de educadores e de estudantes em diversas partes dos Estados Unidos. Em 2012, eles lançaram um livro, que já foi traduzido em mais de nove países e virou um best seller mundial. A versão em português foi lançada esse ano, “Sala de Aula Invertida – Uma metodologia ativa de aprendizagem”, pela Editora LTC. Atualmente, diversas plataformas facilitam a prática, que permite aos professores aproveitar com mais qualidade o tempo em sala de aula, dar mais atenção a quem realmente precisa (os alunos com dificuldade), oferecendo uma educação personalizada. Neste modelo, é possível que os alunos avancem na aprendizagem em ritmos diferentes.
Como e por que inverter?
Os autores defendem que a sala de aula invertida muda completamente o papel do professor, que deixa de ter como função principal transmitir o conhecimento e atua mais como orientador dos alunos. No livro, eles enumeram diversos motivos para adotar o método, entre eles estão: a inversão fala a linguagem dos estudantes de hoje (conectados, usuários de diversos recursos digitais); ajuda os alunos ocupados (aqueles que faltam às aulas, que moram longe, que estão sobrecarregados); ajuda os que têm dificuldade de aprendizado (eles podem pausar e voltar o vídeo com a explicação, o que não é possível em uma aula tradicional, e ganham mais atenção do professor durante as tarefas em sala); aumenta a interação do professor com os alunos, que passa a circular na sala interagindo com eles durante as atividades; muda o gerenciamento da sala de aula, acabando com problemas com alunos que atrapalham os colegas; permite que os pais participem mais e aprendam com seus filhos em casa; e induz ao que os autores chamam de “programa reverso de aprendizagem para o domínio”, no qual os alunos progridem dentro do seu próprio ritmo, caminho que os autores optaram por seguir e desenvolveram ao longo de anos.
“Não é um novo modelo de certa forma, mas de alguma maneira é. É um jeito melhor para os estudantes aprenderem de forma livre”
“É muito importante que você tenha os principais públicos envolvidos (alunos, pais de alunos, escola). Explique o que está fazendo e o porquê disso”, pondera Bergmann. O professor acredita que há quatro dificuldades principais para quem quer começar a trabalhar com esse sistema: inverter a própria mente e entender o tempo em sala de aula, estar treinado apropriadamente para fazer a inversão de maneira bem feita (ter bons vídeos, ensinar os alunos como assistir aos vídeos de forma que extraiam as informações ao máximo), achar tempo para elaborar a aula invertida (ou encontrar conteúdos que o ajudem, como vídeos de outros professores ou outros materiais, como games) e dominar a tecnologia.
Uma das grandes questões que aparece para os professores é o que fazer se os alunos não assistirem aos vídeos? E se eles são tiverem acesso à internet em casa? Bergmann lembra que essa barreira foi resolvida por ele e seu colega com DVDs, quando começaram com o método, há quase 10 anos. Há escolas que fornecem espaços para os alunos assistirem aos vídeos ou ainda outros materiais que o professor pode usar.
“Isso se torna um problema menor quando a coisa é feita do jeito certo, menor do que você espera. Há softwares que podem rastrear quem está assistindo aos vídeos, e você saberá se eles estão vendo. Você pode inserir questões no meio do vídeo, então após dois minutos o vídeo pausa e o aluno responde uma pergunta”, exemplifica o professor.
No livro, os autores indicam passo a passo como gravar vídeos interessantes para os alunos. Sugerem um treinamento para que os estudantes aprenderem a assistir aos vídeos da melhor forma, e o que fazer com o tempo em sala de aula (uma sugestão é começar com uma discussão sobre o vídeo visto em casa, responder as dúvidas e iniciar tarefas/experimentos).
Para Bergmann, não existe um número ideal de alunos para aplicar a sala de aula invertida. “Obviamente é sempre melhor ter turmas menores, mas a sala invertida funciona em grandes classes. Eu acabei de voltar da Ásia, onde eles têm turmas com 50 alunos, e eles estão invertendo. A beleza disso é que antes de inverter a aula, em uma sala com muitos alunos, o professor não tinha interação alguma com eles, e agora terá muito mais”, relata.
Um modelo para o estudante de hoje
Os autores enfatizam que não foram os criadores do método, há muito tempo professores invertem a sala de aula de diversas maneiras. E também não existe “a” sala de aula invertida, uma maneira certa ou única de se inverter o ensino.
“Não é um novo modelo de certa forma, mas de alguma maneira é. É um jeito melhor para os estudantes aprenderem de forma livre. Com o advento da internet e a facilidade de criação de vídeos (Youtube e tal), eu acho que a época é propícia para esse modelo. Acho que tivemos o ‘timing’ certo”, afirma Bergmann.