Embriaguez invade a sala de aula
Não é difícil encontrar entre os universitários que frequentam bares aqueles que já passaram ou conhecem quem tenha passado por experiências inesquecíveis envolvendo embriaguez em sala de aula.
Camila Souza de Camargo, 23 anos, estudante de Jornalismo na Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), conta que eventualmente sai para beber em comemorações com os amigos. Ela lembra que muitos de seus colegas frequentavam a loja de conveniência de um posto de combustíveis próximo do câmpus (que fechou recentemente) para comprar cerveja. "Uma vez, um colega apresentou um trabalho para a turma e todos notaram que ele estava meio bêbado, falando mole e bem alterado", conta.
Sem qualquer inibição, Caro Flores, 23 anos, aluna do curso de Publicidade e Propaganda da UTP, diz que vai ao bar próximo do câmpus todos os dias. "Às vezes vou depois da aula, às vezes antes e, de vez em quando, até deixo de ir para a faculdade", conta. Ela diz que, apesar do hábito, nunca teve problemas com os professores porque eles não costumam implicar.
Levemente alterado
Paulo Henrique Schindler, 19 anos, acadêmico de Engenharia Mecânica na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), afirma já ter entrado na sala de aula sentindo-se "levemente alterado" algumas vezes. Nessas situações, ele prefere debruçar-se na carteira e, se possível, cochilar.
A professora Florence Kerr-Corrêa, pesquisadora da Unesp sobre os hábitos dos jovens, conta que já teve alunos calouros que pouco tempo depois de entrarem na faculdade passaram a beber meia garrafa de conhaque todas as manhãs. "Um deles bateu cinco carros, foi internado e fez tratamento para dependência", diz.
Consequência Excessos também prejudicam bares
A proximidade entre bares e faculdades não é motivo de preocupação apenas para pesquisadores que estudam os danos causados pelo álcool, mas também para pessoas que fazem parte da vizinhança dos câmpus e reclamam do som alto e da baderna. Em Maringá, o impasse entre moradores e universitários resultou em uma lei municipal, aprovada em 2008, que proíbe a comercialização de bebidas alcoólicas em estabelecimentos que estejam em um raio de 150 metros de distância dos portões das faculdades.
Em Curitiba, a Rua Imaculada Conceição, no bairro Prado Velho, em frente à PUCPR, ficou conhecida pela extensa fileira de bares que recebiam os estudantes da universidade. Em 2010, uma ação rigorosa envolvendo prefeitura e órgãos de segurança pública fechou a maioria dos estabelecimentos. Hoje, os que sobraram foram os que se adaptaram para impedir os exageros de alguns estudantes.
Cerveja mais cara
Marcelo Elias / Gazeta do PovoO bar Havana é um deles. O proprietário Donizete Aparecido Martins (foto) conta que naquele ano seu estabelecimento ficou 92 dias fechado. Quando reabriu, Martins decidiu que seu estabelecimento não funcionaria mais no período da manhã nem nos dias de vestibular, quando muitos alunos com menos de 18 anos tentam comprar bebidas alcoólicas. Para limitar o consumo, o preço da cerveja dobrou e, para evitar brigas, o bar investiu na contratação de um segurança.
Frequentados em comemorações, despedidas, trotes ou por puro hábito, os bares mais próximos dos câmpus são praticamente uma extensão da universidade para muitos alunos. Embora o consumo moderado de álcool seja socialmente aceito, é o modo como os jovens bebem que preocupa especialistas. Estudos recentes mostram que beber para se embriagar chega a ser um objetivo comum para muitos dos estudantes que frequentam bares façam eles parte da vizinhança universitária ou não.
Uma pesquisa elaborada na Universidade Federal do Paraná (UFPR), divulgada em setembro, mostrou que 40,2% dos 1,5 mil universitários entrevistados para o estudo afirmaram ter bebido em excesso pelo menos uma vez nos 30 dias que antecederam a aplicação do questionário. Quando a análise é feita somente entre os veteranos, o índice sobe para 54,5%. O estudo foi apresentado como dissertação de mestrado por Guilherme da Silva Gasparotto, professor do Departamento de Educação Física da universidade.
Felipe Mayerle / Gazeta do Povo
Segundo a psiquiatra e professora de Medicina na Universidade Estadual Paulista (Unesp) Florence Kerr-Corrêa, pesquisadora do consumo de álcool entre estudantes, ao contrário do que muitos pensam, o maior risco aos estudantes não está na frequência com que bebem, mas na quantidade. "O acadêmico não bebe todo dia, mas, quando bebe, consome até ficar embriagado. Esse é o padrão que mais mata no Brasil."
Florence lembra que, além dos riscos de coma alcoólico, a embriaguez pode levar o universitário a assumir uma série de comportamentos perigosos, como envolver-se em brigas, contrair doenças sexualmente transmissíveis ou dirigir com os sentidos alterados. Segundo a pesquisadora, levantamentos feitos por ela constataram que o consumo excessivo é notado principalmente entre estudantes que moram sozinhos. "É comum esse perfil de estudante considerar que não há muitas formas de se divertir que não sejam com álcool. A ausência dos pais contribui para o abuso", explica.
Rito de passagem
Para Osmar Ponchirolli, filósofo e professor de graduação e pós-graduação na FAE Centro Universitário, o exagero no modo de beber é típico de jovens que querem passar a ser vistos como adultos. "Sociologicamente falando, é um rito de passagem. Eles associam o consumo de álcool à atividade adulta e nisso muitos acabam se perdendo."
Ponchirolli considera que as instituições acadêmicas em geral poderiam fazer mais pelos alunos que têm problemas com álcool, tratando do assunto inclusive em sala de aula de modo interdisciplinar. "Não dá para fazer de conta que não acontece, nem incriminar o jovem. Temos que aprender a interpretar a situação e fazer tudo em parceria com a família", conclui.
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Vida e Cidadania | 2:47
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