O pagamento de bônus a professores que melhorarem o desempenho de seus alunos, uma das novidades do plano de um eventual governo do vice-presidente Michel Temer, enfrenta resistência entre professores e especialistas em educação. O tema é controverso no Brasil e no mundo principalmente por não haver evidências sólidas na relação entre bonificação e aprendizado das crianças.
Batizado de “Travessia Social”, o plano de Temer prevê ações na educação básica. O sistema de bonificação é uma das principais medidas citadas, embora não haja detalhamento sobre como ele se efetivaria. A maioria das escolas públicas e professores está ligada a Estados e municípios.
O documento diz que o governo federal precisa ter “um protagonismo muito maior do que tem tido até hoje para assegurar que, na diversidade do país, as crianças tenham as mesmas oportunidades de educação e de conhecimento”. “Estamos nos referindo a orientações, à supervisão, mas também a recursos”, cita o texto.
Segundo a consultora em educação Ilona Becskeházy, caso o novo governo decida pela bonificação, poderia implementar o projeto por meio da já existente Lei do Piso salarial dos professores. “Mas muito mais do que o bônus, o que funciona mesmo são parâmetros de qualidade mais rígidos, formação docente e apoio institucional”, completa.
Quando a Lei do Piso foi debatida no Congresso, o ex-ministro da Educação e então deputado Paulo Renato (morto em 2011) propôs a vinculação do aumento salarial ao desempenho do docente em um exame nacional. A lei acabou sancionada em 2008 sem a proposta. O exame nacional para os professores não foi descartado, mas não avançou no MEC (Ministério da Educação).
A ideia por trás da bonificação é que seria uma maneira de valorizar os melhores professores e incentivar os demais a aperfeiçoarem suas práticas. Tradicionalmente, a bonificação é paga a partir da evolução das escolas em testes padronizados. O projeto de Temer também cita aumento de remuneração por títulos, o que já ocorre em várias redes.
O professor da USP Ocimar Alavarse, especialista em avaliação educacional, vê com receio o avanço de uso das avaliações externas como forma de bonificar professores.
“Essa não é a solução porque desvirtua as próprios avaliações como ferramentas pedagógicas”, diz. “Também não há segurança estatística para dizer que esse ou aquele professor é melhor do que outro. As avaliações não são desenhadas para isso”.
Estudo recente dos pesquisadores da USP Luiz Scorzafave e Tullio Dorigan mostra que 13 redes estaduais do país já contavam com políticas de bonificação em 2011. Em São Paulo, por exemplo, profissionais de escolas que avançarem em relação às metas do Idesp, o índice de qualidade estadual, recebem bônus.
O Idesp é composto pelas taxas de fluxo (aprovação e abandono) e notas das provas feitas anualmente pelos alunos, o Saresp. Os resultados são usados para bonificação desde 2008 pelo governo de São Paulo. Apesar de o Idesp ter registrado alta no ano passado, os resultados da rede permanecem estáveis em níveis baixos.
Professores
Entre as entidades sindicais de professores, é praticamente consenso a oposição à bonificação. A categoria insiste que essa política não resolve o problema de valorização profissional.
“É uma política que não altera os termos de qualidade, não traz avanços e tira a característica da formação educacional”, diz o professor Heleno Araújo, secretário de assuntos educacionais da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação).
O coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, vê com preocupação que nenhum assessor do PMDB tenha mencionado o PNE (Plano Nacional de Educação) como norte para as ações de melhoria da educação de um eventual governo. Sancionado em 2014 pela presidente Dilma Rousseff, o plano traça metas para todas as etapas da educação e também para os investimentos na área em uma década.
No PNE, há a previsão de uma maior responsabilização do governo federal com os gastos da educação básica, em apoio a Estados e municípios. Ponto também citado no projeto de Temer.
“Este é um governo que surge sem olhar para o marco legal, que questiona a própria Constituição”, diz ele, que é contrário à bonificação. “O que a bibliografia consegue alcançar, nacional e internacionalmente, é uma correlação fraca, quando existente, entre aprendizado e bônus. É uma política adotada nos 1990 nos Estados Unidos e que já tem sido abandonada”.
Uma das pesquisadoras internacionais com maior repercussão nesse tema é a historiada Diane Ravitch, ex-secretária-adjunta de Educação e conselheira do secretário de Educação dos Estados Unidos. Após 20 anos como defensora de políticas baseadas em metas, testes padronizados e responsabilização do professor pelo desempenho do aluno, ela mudou de ideia nos últimos anos e passou a criticar as medidas.
Sua reavaliação sobre o assunto está presente no livro Vida e morte do Grande Sistema Sistema Escolar Americano, publicado originalmente em 2010.
O programa de Temer ainda cita a reformulação do ensino médio, com uma aproximação com a educação profissional. O tema já é discutido tanto pelo Congresso Nacional quanto pelo MEC e Consed (entidade que reúne os secretários estaduais de Educação).
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