Caminho comum para boa parte dos jovens, a entrada na universidade nem sempre se mostra um projeto possível para um número considerável de estudantes. Vindos de famílias com baixos níveis de escolaridade e de renda, os jovens deste grupo que fazem da vida acadêmica uma realidade costumam contar com doses extras de motivação e persistência, características que os ajudam a enfrentar as dificuldades e dar continuidade aos estudos.
Segundo o Ministério da Educação, 35% dos alunos em fase de conclusão de curso que fizeram o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), em 2014, são os primeiros de suas famílias a chegar à universidade. As políticas de democratização e ampliação do acesso ao ensino superior, como as cotas e os programas de financiamento estudantil, estão entre os fatores que contribuem para este resultado, como lembra Rita de Cássia Lopes, pró-reitora de Assuntos Estudantis da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
“Com a adoção da política de cotas, temos percebido um aumento no número de alunos que vem de núcleos menos favorecidos, das classes C, D e E. Estes alunos têm um desempenho acadêmico compatível ao dos que entram pela disputa geral, mas eles costumam ser mais persistentes e ter mais condições para enfrentar as adversidades”, avalia Rita.
Apoio
Além da motivação para ingressar no curso superior, o apoio da família e das instituições de ensino é peça-chave para que os alunos possam permanecer nele e concluir a graduação.
Na UFPR, por exemplo, os estudantes com renda familiar bruta de até 1,5 salário-mínimo por pessoa podem contar com bolsas permanência (R$ 400 mensais para gastos com livros e materiais), refeição (isenção das taxas dos restaurantes universitários), moradia (R$ 275 mensais para alunos de outras cidades) e/ou creche (R$ 200 mensais para estudantes com filhos de zero a seis anos incompletos).
“Também contamos com equipes multidisciplinares, com pedagogos, psicólogos e assistentes sociais, que fazem o acompanhamento desses e dos demais alunos que, por demanda espontânea ou orientada, necessitem desse trabalho”, conta a pró-reitora.
A Gazeta do Povo conversou com três estudantes que são os primeiros de suas famílias a ingressar na universidade para conhecer seus dilemas e conquistas. Confira.
Amizade que transforma
Morando sozinha desde os 18 anos, a estudante Jennifer Ribeiro de Jesus, hoje com 25 anos, não tinha a vida universitária como perspectiva. Quando concluiu o ensino médio, a entrada no mercado de trabalho parecia ter dado fim a sua vida de estudante até o dia em que uma colega a despertou novamente para os estudos.
“Eu trabalhava em um pet shop e tinha uma amiga que fazia cursinho. De tanto ela falar, me inscrevi no vestibular da UFPR para ver como era e acabei passando na primeira fase. Daí percebi que, se estudasse, talvez eu tivesse chance”, conta.
Por estar há muito tempo longe da escola, ela decidiu procurar por um cursinho pré-vestibular e conciliar o trabalho com os estudos. Acabou chegando à ONG Formação Solidária, que oferece vagas gratuitas para estudantes de baixa renda.
Depois de um ano de estudos, prestou novamente o vestibular da UFPR, sem sucesso. Sem desistir, continuou no cursinho por mais em ano, fez pela terceira vez a seleção da universidade e também a prova do Enem. Com uma boa colocação no exame, Jennifer conquistou uma bolsa integral, e a tão almejada vaga, na Universidade Positivo, onde cursa Administração.
“Além de aprender conteúdos que nunca tinha visto na vida, o cursinho e os professores me incentivaram muito. Meu objetivo é fazer outros cursos e conseguir um estágio na área em uma empresa na qual eu possa crescer”, planeja.
Um médico na família
Sexto filho e caçula de um casal de agricultores, Thiago Jessé Kucarz não é o primeiro da família a entrar na universidade. Mas é o primeiro a estudar em uma instituição pública, a Universidade Federal do Paraná, e no curso mais concorrido: Medicina.
Natural de Major Vieira, em Santa Catarina, ele conta que o primeiro “empurrão” para os estudos veio do irmão mais velho, que se formou em História na Universidade do Contestado, em Mafra. “Ele me motivou a ler e fui adquirindo o hábito. Sempre quis estudar, mas foi no ensino médio que pensei: preciso fazer alguma coisa de útil, crescer, e aí comecei a estudar para valer”, conta o estudante.
No segundo vestibular que prestou, Kucarz foi aprovado na UFPR e na Universidade Federal de Santa Catarina. Escolheu a federal curitibana e diz ter achado difícil o primeiro semestre pelo fato de o estudo acadêmico ser muito diferente do realizado no ensino médio. “Você precisa aprender a estudar mais rápido e a selecionar o que estuda, pois não tem uma apostila pronta”, resume.
A motivação para superar as dificuldades (acadêmicas e financeiras) e a saudade da mãe, que ainda mora na zona rural, vem da perspectiva de uma vida melhor. “Na medida em que você vê que tem potencial e que é capaz de crescer, começa a se animar, a ficar guloso e querer coisas boas na vida, mesmo que você não as tenha experimentado ainda”, avalia.
De universitária a dona de escola
A entrada na universidade permitiu a estudante e professora Andréia Pereira Jareck muito mais do que ter uma profissão. Prestes a concluir a segunda graduação, em Pedagogia (que cursa na modalidade a distância na Unicesumar), ela acompanha os últimos preparativos para a abertura da escola de educação infantil Casa da Árvore, que irá inaugurar em 2017.
O caminho até aqui, no entanto, foi longo. Filha de mãe semianalfabeta e de pai que cursou até a terceira série do ensino fundamental, Andréia é a primeira integrante da família a chegar à faculdade, e só pôde fazer isso quando o salário permitiu que ela conciliasse o pagamento das mensalidades e as despesas pessoais.
“Quando terminei o ensino médio queria ter entrado na faculdade. Como não tinha preparação para fazer o vestibular da UFPR nem condições financeiras para arcar com os custos de uma particular, acabei ingressando com 24 anos”, lembra.
Sua primeira graduação foi em Publicidade e Propaganda, pela Opet. Mesmo não seguindo na carreira, Andréia acredita que a formação lhe deu base para o trabalho de professora de Artes e contação de história que realiza em uma escola de Colombo.
“Sempre tive dificuldade de conciliar a faculdade com o trabalho e passei por momentos em que a situação financeira apertou, mas me sinto feliz por ter concluído um curso e estar finalizando outro. A necessidade de me empenhar me deixou mais forte, fez com que eu levasse os estudos mais a sério”, avalia.
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