O dia 2 de abril é o dia mundial de conscientização do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Entre as reivindicações de políticas públicas para os 4% da população que têm algum grau de autismo, a que mais se destaca é a inclusão escolar. Desde que a lei 12.764/12 foi regulamentada, famílias que encontravam as portas fechadas nas escolas particulares e quase nenhuma atenção das instituições públicas passaram a ter a matrícula de seus filhos aceita, além de ter o direito a um profissional de apoio para acompanhamento especializado, se necessário. Negar matrícula a pessoas com deficiência – e quem tem autismo passou recentemente a ter os mesmos direitos – leva à punição de três a 20 salários mínimos para o gestor escolar e, em caso de reincidência, à perda do cargo.
Veja fotos com exemplos de materiais adaptados
Mas, mesmo que garantida a matrícula, é longa a luta pelo direito de aprender e de ter suas particularidades respeitadas. Diferente de quem tem uma deficiência física, que pode ter a necessidade educacional especial resolvida com rampas e elevadores, por exemplo, a solução é mais desafiadora em casos como o autismo, transtorno que compromete a comunicação, a interação social e a capacidade de imaginação e planejamento. “Existe a lei que determina que a inclusão deve acontecer, mas não determina o apoio e, mais do que isso, não determina ações que possibilitem atendê-los de forma mais inclusiva”, afirma a terapeuta ocupacional Claudia Omairi, professora e pesquisadora em Integração Sensorial e Autismo pela UFPR.
Especialistas defendem que alunos com necessidades especiais como os que têm autismo precisam de uma readaptação do ambiente para que possam ter a chance de aprender como os demais. Para isso, as políticas públicas devem garantir aos educadores a capacitação, tempo de preparo de aulas, recursos de tecnologia assistiva e espaço físico adequados. Além do currículo adaptado e de um profissional de apoio com maior ou menor interferência no dia a dia escolar, uma criança com autismo pode precisar de cuidados com estratégias sensoriais, que variam desde estímulos visuais, auditivos ou táteis, lembrando que cada criança pode responder com uma hiper-resposta (quando não tolera brincar na areia, ou mexer em tinta) ou ser hipo-responsivo (se machuca, mas a dor não é percebida, pois não tem registro sensorial). “Os professores devem ter um bom conhecimento acerca do autismo, e saber como lidar com as estratégias sensoriais a fim de amenizar o impacto frente às diversas reações da criança”, afirma Cláudia.
“A professora grita muito, grita: ‘vai logo”, ‘presta atenção’”, conta Artur, 7 anos, estudante de uma escola particular de Curitiba. O menino, que tem autismo e sensibilidade auditiva, passou a se recusar ir à escola e a mãe Estefânia Dias Mendes, que é professora do ensino fundamental da rede pública, está aguardando um posicionamento da direção. A terapeuta ocupacional e a psicóloga que atendem o menino já haviam feito visitas à escola, mas o garoto permanece sendo obrigado a fazer cópia do quadro e as reclamações sobre a gritaria continuam. “Essa semana, um colega contou que Artur disse à professora que não era correto deixar os alunos surdos. A turma toda riu, e nada tem sido feito para respeitar meu filho. Ele não pode continuar com essa professora”, conta Estefânia, que estuda registrar boletim de ocorrência contra a escola.
Mães assumem adaptações das salas de aula
Apesar de a inclusão estar em debate no Brasil há quase 20 anos, a escola ainda rejeita o uso de materiais fundamentais para o aprendizado de muitas crianças com necessidades educacionais como o autismo, segundo a terapeuta ocupacional Marcia Valiati, do ambulatório Enccantar, que também atende crianças com autismo. Ela sugere que sempre um profissional capacitado encontre adaptações personalizadas em cada escola, de acordo com os alunos que lá estudam. Apesar do cuidado individualizado ser o ideal, há medidas que favorecem a todos e que podem ser implementadas facilmente. “Ao sentar, a criança não deve ficar com os pés elevados, balançando. O que pode ser resolvido com um apoio fixo, de balanço, ou almofada. As escolas também não aceitam o plano inclinado, mas ele é essencial para ajudar a manter o foco, especialmente na hora da criança copiar algo do quadro. Também adapto materiais”, afirma.
A fisioterapeuta e psicopedagoga Karlen Pagel conta que conquistou abertura para fazer adaptações de materiais na escola particular onde os filhos Enzo e Caio cursam o 1º ano. Ambos têm autismo e usam materiais como almofadas sensoriais, lápis e tesoura especiais além de adaptações ergonômicas. Mas se a abertura para levar materiais adaptados para a sala de aula – pagos pela família – não é um problema, Karlen sente falta do contato mais próximo com a equipe de professores. “Eles não adaptam nada, parte da família mesmo. Mas penso que é um processo, aos poucos vamos conseguindo convencer a escola da importância de assumir esse papel. Minha maior dificuldade é a distância em relação às professoras. Não são liberadas para participar de discussões com a equipe terapêutica dos meninos, como um grupo do whatsapp que mantemos só para esse fim.”
Nos Estados Unidos cada aluno com autismo têm seu material escolar adaptado, com muita informação visual, figuras e cuidado com textos que podem ser difíceis de ser interpretados – pessoas com autismo têm pensamento literal e concreto. A rotina visual traz previsibilidade das ações que ocorrerão na escola, evitando assim o aparecimento de comportamentos inadequados. Foi um baque se deparar com a realidade das escolas brasileiras para a pedagoga Laressa Herman, mãe do Leonardo, 6 anos, que estudou em escolas americanas até o ano passado. “Além da escola, pago terapeuta ocupacional e clínica, o combinado era a escola passar todo o material que a turma do Leonardo está vendo com antecedência de uma semana, para as terapeutas poderem adaptar. Mas a escola sempre atrasava e acabou virando uma bola de neve”, conta.
Leonardo têm atividades estruturadas específicas, leva para escola almofada de peso (veja galeria de fotos abaixo) e um tapete para ficar mais confortável quando cansa da cadeira, tudo pago pela mãe. Para a professora da UFPR Claudia Omairi, informar as famílias sobre os direitos de seus filhos e deveres das escolas – como a proibição de qualquer escola cobrar que a família providencie materiais adaptados ou pague profissionais para isso – também deve ser alvo de ação governamental. “São muitos os desafios, a sociedade tem de obter mais conhecimento acerca do autismo e há um grande caminho a ser percorrido. Cabe aos governos instituir e à sociedade cobrar.”
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