"Me dá um copo d´água!", grita o rapaz para a mãe atarefada, diretamente da sala de televisão, onde está estirado no sofá. Comportamento como este é muitas vezes aceito dentro de casa, mas dificilmente um profissional se manterá em um emprego agindo como se os outros tivessem que estar prontos a servi-lo a qualquer momento. A opinião é do médico psicoterapeuta e escritor Içami Tiba, que é especialista em Educação. Segundo ele, "em casa se prepara muito mal o futuro profissional".
Nesta segunda parte da entrevista à Gazeta do Povo Online, Tiba também fala sobre o atual mercado de trabalho na área de Medicina e o que devem esperar aqueles que sonham seguir carreira nesta profissão. O psicoterapeuta aproveita ainda para dar algumas dicas aos futuros calouros de Medicina. Confira os principais pontos da entrevista.
Gazeta do Povo Online - Qual a sua avaliação sobre o mercado de trabalho que receberá os novos médicos?Içami Tiba - Está muito ruim. Em um mercado onde tem falência de empregos, as pessoas não podem nem se desenvolver na área que escolheram, eles vão se desenvolver nas áreas que sobraram para eles. Em outras palavras, há dez anos 70% das pessoas com diploma universitário, recém-formadas, já tinham emprego. Hoje, 70% continuam desempregados e só 30% estão empregados. E esses que não têm emprego se questionam para que estudaram tanto. Eu acho que estudaram tanto, mas com esquema antigo, e não como um cara que quer buscar conhecimento. É que nem o cara que tem prova de matemática e só estuda matemática. Resumindo bastante, hoje o estudante que tem uma prova da tabuada do cinco, só estuda tabuada do cinco. Se cair na prova quanto é sete vezes cinco ele reclama e diz que o professor não deu a tabuada do sete. Então, os caras se formam achando que vão fazer só aquilo que aprenderam e isso não é o que se propõe.
Quais as maiores exigências do mercado hoje?O que se exige é que cada funcionário seja uma micro empresa, que tenha iniciativa própria. Tem coisa que ele é obrigado a fazer independentemente se está sendo pago ou não para isso. Ele tem que ser um cara polivalente, mas não é. E não é porque tirou sempre nota dez na prova que está bem preparado. Porque o que cai na prova não é o que se exige na vida, é o que o professor exige. Se pegar um professor neurótico, ele quer que você saiba ponto e vírgula do que ele falou, mas se o cara falar uma novidade que o professor não sabe ganha zero.
A vida em família pode influenciar na preparação deste profissional?Em casa se prepara muito mal o futuro profissional. Não existe nenhum lugar no mundo que se ele funcionar como em casa ele continua no emprego. "Me dá um copo d´água!" (exemplifica). A família prepara muito mal seus filhos, por isso que no campo profissional, como existe uma carência de bons funcionários, os bons vão ter sempre lugar e os que não tem é porque estão mal preparados.
Na sua opinião, como deveria ser a formação acadêmica?Eu acho que em termos de profissão, são tantos os leques que nós temos que formar a pessoa trabalhadora e não um profissional. O que eu quero dizer com isso é que tem muitos empregos surgindo e como vai ter alguém que vai ensinar a formar para uma profissão que ainda não existe. Curricularmente falando, não resta dúvida. Hoje tem aí faculdade de Ciências da Computação, mas só depois que todo mundo já se empenhou e se fez. Na hora que começou o negócio, ninguém imaginava que a computação fosse ganhar tanta força.
Qual a tendência para esses novos profissionais?Talvez eu seja um profissional que trilhei, há um bom tempo, um caminho que é o que os jovens estão fazendo hoje. Me formei como médico, virei psicoterapeuta e como comecei a fazer palestras, comecei a escrever livros para bibliografar as minhas palestras. Então, de repente, eu não tenho um curso de palestrante, nem um curso de escritor e faço as duas coisas. Eu acho que hoje em dia mesmo formado em uma área, se descobrir uma brecha em outro canto, ele tem que ter esse potencial de desenvolver um campo novo. É muito diferente de ficar fixo, em um emprego antigo, com regras antigas, ganhando um salário que ele vive reclamando, mas não larga daquilo. E assim ele não vai crescer, porque quem já anda por um caminho que alguém já fez, o destino já é conhecido. Quem anda por uma estrada pronta vai ser levado pela estrada, ele não está abrindo caminho.
Qual a dica que o senhor deixa aos vestibulandos que almejam uma vaga no curso de Medicina?Eu acho que é um curso pesado, de muito investimento. Se a pessoa não tiver realmente uma força de vontade, vai largar no meio do caminho. O aluno vai ter que fazer coisas que, se ele for um mimadinho e não quiser fazer, vai ter um diploma capenga. E ser um médico mandado é muito ruim, porque o espírito médico é encontrar saída para o sofrimento do paciente, seja por que caminho for. Se ele não souber, ele que vai ter que se empenhar para buscar, porque o seu patrão é o seu cliente. Se o doente está sofrendo, o médico não pode sossegar enquanto não encontrar um alívio para esse paciente. Ele não pode falar: "Você tem um tipo de gastrite que eu não estudei". Ele vai ter que correr atrás. Se tem uma fratura, não importa se ele estudou o fêmur direito, vai ter que cuidar do dedão esquerdo. Se não tiver esse espírito, ele vai se dar mal como médico, que é um ser em plantão. Ele não sabe que tipo de queixa virá para o consultório dele. E ele não tem obrigação de saber tudo, mas tem obrigação de dar encaminhamento para tudo. Não poderá falar: "Você vai embora porque eu não sei o que fazer com você".