A velocidade média de uma bolinha de papel que cai de um prédio de 100 metros com gravidade de 10 metros por segundo ao quadrado: é Física ou game? Nas aulas do professor José Motta, pode ser os dois. Problemas de mecânica e termodinâmica viram uma competição entre os alunos com o método “peer instruction”, que também é responsável por medir o nível de aprendizado da turma.
Funciona assim: a turma se divide em duplas, que têm como tarefa resolver um mesmo problema a partir do conteúdo apreendido em sala. A alternativa escolhida como correta é digitada em um clicker, um daqueles aparelhos utilizados em programas de auditório para marcar a resposta certa.
Autonomia do aluno depende do professor
O ideal de um aluno autônomo, protagonista de seu próprio aprendizado, só é possível com bons professores. Esta é a avaliação do consultor israelense David Sasson, especialista na chamada “aprendizagem mediada”. A teoria tem como base a noção de que há dois tipos de aprendizado: autônomo e mediado. Eles têm uma ordem. Para tornar-se autodidata, o aluno deve primeiro ter contato com a base de um conteúdo. Ou, pelo menos, com sua forma de pensar.
O mediador não é um mero reprodutor de conhecimento. É o famoso não dar o peixe, mas ensinar a pescar. “O professor que não se contata apenas em transmitir o conhecimento vai assegurar-se também da mediação, dos processos mentais subjacentes à aquisição de seu conhecimento, são responsáveis pela criação de um insight. A compreensão do aprendiz então se torna mais profunda, vai à essência das coisas”, resume Sasson.
O israelense defende uma mudança na cultura escolar, para uma abordagem baseada “no processo e não no comportamento”. Para isso, não é necessária uma “revolução” na escola (”os gestores odeiam este termo”, brinca). Basta mudar o rumo e deixar que as coisas fluam em uma nova direção, baseada nessa mediação.
Uma mudança possível seria no sistema de notas e provas. No lugar de “fotografar o conhecimento” do aluno ao final de uma etapa (um bimestre, por exemplo), o ideal seria avaliá-lo ao longo de todo o processo de aprendizado, de forma contínua.
Outra sugestão é reduzir o currículo escolar, que hoje ele considera sobrecarregado. “Temos um corrida compreensível que prioriza a quantidade de conhecimentos”, e a mente, o prazer de aprender acabam sacrificados, na opinião de Sasson.
As respostas são recebidas e catalogadas simultaneamente por um software, instalado no computador do professor, que produz um gráfico com o nível de acerto da turma. Se for acima de 70%, ótimo, hora de seguir em frente. Abaixo de 30% é alerta vermelho, sinal de que o conteúdo deve ser ensinado novamente. Se o gráfico fica no nível intermediário, as duplas se reúnem em grupos maiores, e tentam novamente.
O peer instruction foi criado pelo pós-doutor em Física Erik Mazur, de Havard, “não para que os alunos aprendessem, mas para que eles aprendessem um pouco mais”, conta José Motta. Foi essa ambição que o atraiu, a ideia de que os alunos não sigam para o ano seguinte apenas com o conhecimento mínimo da matéria, mas dominando o assunto.
Sobre o risco de este nivelamento prejudicar os 30% que não “chegaram lá”, o professor apela à estatística básica. É preciso trabalhar com a “curva de Gauss”, ou seja, um grupo sempre vai estar à frente e outro abaixo da média. Estabelecer uma meta para a turma não significa deixar de dar uma atenção especial àquele grupo com dificuldade, ou de dar um incentivo extra para quem “vai que vai”.
Entre os alunos, é sucesso. O método tem hora certa para entrar no processo de aprendizagem. Além de descontrair a aula com um “brinquedinho” novo, o “eles ficam com vontade de acertar, ver a resposta, vira uma disputa e eles são muito competitivos”.
Mas a brincadeira tem hora para acontecer. Como todo processo avaliativo, ela deve ser a última etapa. Não precisa ser no final do bimestre, mas deve ser a conclusão de um exercício. Colocar o aluno como protagonista de seu próprio aprendizado não significa prescindir da aula expositiva, primeira etapa para que o estudante apreenda um conteúdo novo.
Em português, peer instruction seria algo como “aprendizado com colegas”. Daí a importância da divisão em duplas. Com um colega, o aluno obriga-se ao diálogo. Mas em grupos maiores, é sempre possível que um dos integrantes fique em silêncio. Dois é ideal.
Analógico
Quando resolveu tirar a ideia do papel, José Motta descobriu os tais clickers em um canto do Colégio Positivo. Utilizou os aparelhos com as turmas de Física, do 1.º e 2.º ano do ensino médio, e nos cursos de Engenharia e Administração Internacional, na Universidade Positivo.
A tecnologia ajuda, mas não é imprescindível. Folhas de papel com as letras de “a” a “e”, com as alternativas, resolvem o problema. Aí é só calcular a porcentagem de acertos na mão, mesmo.