Existe uma espécie de manual a ser seguido por toda escola – pública e privada. Definições do projeto pedagógico, diretrizes administrativas, normas gerais, atividades do corpo docente, calendário e outras medidas que fazem de um espaço um local de aprendizagem. Mas, mesmo seguindo cada um desses passos e com bons profissionais, muitas escolas públicas seguem patinando com problemas de evasão, distorção entre idade e série, retenção, baixo rendimento escolar e até vandalismo.
Para combater esses problemas, um programa da Secretaria de Educação de Curitiba tem tido sucesso apostando em soluções de baixo custo. O segredo de fundo, que pode ser copiado por qualquer instituição de ensino, é o de conseguir envolver e motivar alunos, pais e professores. Os resultados para a rede pública não são de se desprezar: com um ano de atividades, o Projeto Equidade já reduziu pela metade as taxas de evasão entre os 26 mil alunos das 48 instituições participantes. A taxa de faltas e de retenção e as depredações nas escolas também diminuíram. Confira abaixo iniciativas simples que deram certo nessas escolas e que podem ser replicadas com sucesso.
Jogos em sala de aula para aprender com diversão
“A gente não vai fazer lição?”, era a pergunta comum no início do novo programa das aulas de apoio na Escola Michel Khury. Apesar de a escola ter muitos jogos, boa parte deles estava guardada em caixas, fora de uso, até que a pedagoga Juliana Zeni Ostroski decidiu utilizá-los nas aulas de reforço de alfabetização e matemática para crianças com dificuldade de aprendizagem. Por meio da brincadeira, as crianças se interessaram por conteúdos mais complexos e ficaram motivadas, o que se refletiu nas notas.
Os avanços fora da sala de aula eram registrados por meio de fotos e enviados à professora regente, que interagia com os avanços dos estudantes. “Todas essas iniciativas pedagógicas foram importantes para resgatar a autoestima desses alunos, o que mostra que ensinar deve ir além do lápis e do papel”, afirmou.
Outra vantagem dessa abordagem foi conquistar as crianças para as aulas de apoio, antes consideradas excessivas e inócuas. “Os alunos passaram a ver esses momentos não como um castigo para quem não aprendeu, mas como uma oportunidade para recuperar as notas, aprender de forma interessante e se divertir ao mesmo tempo”, comemora.
O trabalho de todos por um objetivo comum
Na Escola Pilarzinho, no Boa Vista, crianças menores da rede municipal dividem o espaço com outras dos anos finais do ensino fundamental da rede estadual, a chamada dualidade administrativa. A instituição entrou para o projeto Equidade por ter um público com vulnerabilidade socioeconômica e uma comunidade que não se sentia valorizada ou engajada com as ações da escola. Os contatos de grande parte dos pais dos alunos, endereço e telefone, não eram verídicos e nem a família nem os filhos entendiam a importância de se frequentar a escola e permanecer em sala de aula. Havia um grande problema de crianças que só queriam ficar no pátio ou então que entravam pelo portão, mas atravessavam a escola para pular o muro e ir para a rua. Outros problemas percebidos pelos professores eram as más condições alimentares dos estudantes e o fato de ser comum ficarem na rua até tarde da noite.
Não foi uma única ação que fez com que em um ano a Escola Pilarzinho conquistasse o respeito da comunidade e reduzisse as condições da defasagem idade-série e da retenção elevada. Mas a ação que mais se destaca é a que promoveu consequências em várias das frentes que prejudicavam a aprendizagem.
No almoço na escola, ninguém tocava na salada. Então, uma parceria com a Cohab levou os alunos a estudarem o plantio de uma horta. Não foi fácil, a escola tinha dificuldade em manter o jardim pelo vandalismo e quantidade de lixo que eram jogados no local. À medida que o trabalho feito pelas crianças foi aparecendo, porém, a horta passou a ser respeitada. Quando s crianças começaram a levar para casa o que haviam plantado, pais e irmãos ficaram animados a reproduzir a experiência. A transformação foi além dos canteiros: os estudantes passaram a estar mais motivados para ir à aula, pais se reaproximaram e hoje o espaço não é mais arrombado ou pichado.
Escola limpa, em ordem e pais entusiasmados
Quando o diretor Claudinei Alberto assumiu a Escola Professora Cecilia Maria Westphalen, o ano de 2015 foi iniciado com 40 vidros estraçalhados, pias de banheiro quebradas, furtos frequentes e muita pichação. A escola, que fica no Sítio Cercado, recebe 584 crianças até o 5º ano do fundamental. Para combater essas dificuldades, o diretor empreendeu duas batalhas: deixar a escola bonita e criar eventos de interesse para as famílias.
Como prioridade, houve um trabalho intenso para que o ambiente estivesse limpo e em ordem. Animadas com a melhoria das instalações, famílias e crianças passaram a ajudar na preservação. Com isso, as invasões e os furtos na escola cessaram, muros e carteiras deixaram de ser riscadas, o vandalismo diminuiu e, para o retorno das aulas em 2016, apenas quatro vidros tiveram de ser trocados.
Ao mesmo tempo, os pais foram “convocados” a participar dos dilemas da escola. “Passamos a ter mais contato com famílias”, conta. “Aos poucos, eles tomaram ciência da importância que têm para a educação dos filhos”.
Inspetores amigos dos alunos
Inspetor carrancudo que perambula pelos corredores e fica sentado de olho no recreio das crianças é coisa do passado. Quem entra pelos portões da Escola Municipal Anísio Teixeira, pelo menos, vai se deparar com as sete inspetoras acompanhando os alunos por todo o lado, desde a recepção na chegada à escola, até as atividades em sala, festas e nas aulas de campo, os passeios educativos. A transformação no papel do inspetor foi sendo vista aos poucos, mas impulsionada pelas formações oferecidas a esses profissionais.
Esse outro olhar fez com que eles se sentissem valorizados e mais comprometidos com a aprendizagem e bem-estar de cada um dos alunos, como conta a diretora Janete Pires Santiago. “Os inspetores passaram a ter mais espaço e a se destacar dentro e fora da escola. Entre as formações que tiveram, aprenderam a liderar brincadeiras para promover recreios diferentes, com ações como criação de brinquedos. Também ajudam na confecção de materiais para os professores, acompanham as crianças no banheiro e orientam em relação a hábitos de higiene”, explica.
O prazer de retornar à escola
Eram vários os desafios com as turmas regulares do ensino fundamental, com alunos que sumiam por meses e depois reapareciam, sem conseguir acompanhar a turma ou evoluir nos estudos. Mas a Escola Municipal professor Ko Yamawaki também precisava atacar outro problema: a falta de adesão ao programa da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Localizada próximo do município de Pinhais, a escola está em uma região de elevada taxa de analfabetismo.
Para conquistar os alunos de todas as idades, a Ko Yamawaki investiu muito na relação com as famílias. Até que chegou a um ponto que as famílias perceberam que precisavam voltar a aprender, ou ao menos, aprender a ler para acompanharas crianças nos projetos como o da roda de leitura. Houve um caso de um avô que, ao frequentar a escola com a neta, decidiu se matricular na turma do EJA. Meses depois pôde fazer uma apresentação de leitura e tocar violão para as turmas infantis. Emocionado, disse que nunca havia imaginado a grande felicidade que foi ver a admiração nos olhos da neta. Com famílias mais confiantes e ativas no espaço escolar, a turma de EJA saltou de 10 matrículas para 38, sem problemas de falta de frequência. Mais do que alunos, esses pais e avós se tornaram verdadeiros parceiros da escola.
No refeitório os inspetores também têm função especial: cuidam para que cada criança se alimente de forma equilibrada, experimentando de tudo, comendo com calma, apreciando a sobremesa e entregando pratinhos e talheres após terminar. “Inspetores se sentem mais acolhidos e as crianças percebem que podem contar com esses profissionais quando precisam de ajuda. Assim o ambiente fica mais agradável, os alunos querem estar na escola e até os conflitos diminuem”, diz a diretora, que afirma que as retenções por faltas, que eram um grande problema na Anísio Teixeira, também diminuíram por causa da ação desses profissionais.
Contraturno que encanta
Para públicos diferentes, ações diferentes. Estudantes que convivem com desafios como baixa frequência escolar, trabalho infantil, violência doméstica precisam ter atenção diferenciada dentro de um projeto de escola. “O contexto social de estudantes de comunidades extremamente carentes não admite o perfil de uma escola tradicional, que prevê a igualdade nos processos de aprendizagem e a meritocracia, pois este modelo é socialmente excludente. Então se tornam primordiais o olhar para além da sala de aula e a efetivação de ações que extrapolem os muros da escola”, afirma Marcia Quadri, diretora da Escola Nansyr Cecato, do Parolin.
Entre as ações, houve até trabalho no refeitório para que as crianças aprendessem a usar talheres. Além da busca ativa pelos alunos que mais faltavam, o contraturno foi caprichado para retirar as crianças da rua: futsal, cupsong (fazer música com a batida de um copo sob a mesa), taekwondo, teatro e dança. Os resultados têm melhorado gradativamente com o aumento da frequência escolar, a permanência nos projetos, assiduidade nos atendimentos médicos/especializados, crianças felizes em ir à escola e professores motivados.
Na Escola Anita Merhy Gaertner foi clara a mudança de atitude nos alunos depois de projetos como o “Futebol de Rua pela Educação”. A diretora Roseli de Cassia Moloni Garcia conta que nas aulas com a pedagoga do projeto são trabalhados valores, respeito ao próximo e a diversidade, resultando em estudantes mais disciplinados, assíduos e interessados no futuro. “Eles têm se esforçado para não faltar nas aulas de futebol e nas aulas da escola. Recebemos recentemente estudantes do Havaí, juntamente com seus familiares, para participar de um campeonato. Agora temos alunos que demonstraram interesse em estudar inglês”, conta.
Discussões para repensar as ações escolares
Se a escola não está alcançando os resultados, é preciso descobrir a fragilidade e decidir como atacá-la. E isso se faz com discussões entre os profissionais. “Há uma mania de discutir coisas grandiosas da educação, mas precisamos repensar ações mínimas, diminuindo o embate ou fazendo com que ele não seja agressivo”, afirma Isabel Maria da Silva de Lima, chefe do Núcleo Regional de Educação do Boa Vista, que conseguiu alcançar bons resultados em seis escolas participantes do Projeto Equidade.
Um exemplo de ação que foi repensada para aproximar os próprios alunos de suas escolas foi reformular o sábado letivo. Todas as escolas sabem que no calendário há o sábado letivo que precisa ser planejado e que este é um momento de trazer a família para a escola. Mas quando o planejamento não atinge seu objetivo, é preciso refletir e encontrar estratégias. “O ser humano faz o que está motivado para fazer. Não dá para esquecer que temos de ter ações motivadoras, cativar, vincular, levando em conta o olhar da criança que vai ter que voltar para a escola no sábado”, diz.
E trazer a criança para o sábado letivo também implica em fazer com que a família entenda essa importância. Quando as famílias são recepcionadas na escola percebendo que as ações também foram pensadas para elas, que elas são importantes, essa valorização contribui para que cada um possa se comprometer com seu papel. Conquistar as famílias também faz parte do movimento por uma melhor educação. “Ao avaliar resultados negativos os professores devem olhar para os dados e se perguntar o que fazer com eles. Isso não é colocar mais uma responsabilidade para a escola, mas é a necessidade que temos para alcançar nossos objetivos. E isso vai além do que é regimentar e oficial, são necessárias outras estratégias”, afirma a chefe de núcleo.
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