Com o objetivo de evitar fraudes no sistema de cotas raciais, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) retomou no Vestibular 2016/2017 a banca de validação da autodeclaração dos candidatos para verificar se os aprovados nesta categoria são, de fato, pretos ou pardos. Dos 571 convocados no primeiro grupo, que contemplava os aprovados nos cursos de Curitiba e Pontal do Paraná, 81 estudantes não passaram na avaliação e tiveram suas autodeclarações indeferidas pela comissão criada especialmente para validar a inscrição dos calouros. Cerca de 50 estudantes não compareceram à banca.
Mais de 70 aprovados nos cursos de Jandaia do Sul, Matinhos, Palotina e Toledo ainda irão passar pela banca examinadora, marcada para o próximo dia 24 de janeiro.
“O principal ganho desta retomada das bancas é que ela está baseada em uma reflexão mais amadurecida. Está muito transparente à comunidade e aos estudantes como chegamos a este mecanismo, de maneira que isso não significasse uma desconfiança [em relação ao] cidadão que faz a sua autodeclaração (...), mas uma validação que não coloque em risco o processo. Entendo isso como um mal necessário”, avalia o pró-reitor de Graduação, Eduardo Barra.
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Leia a matéria completaValidação
O critério adotado pela universidade para validar a autodeclaração dos aprovados pelas cotas raciais é o fenótipo dos estudantes, ou seja, sua aparência física, como explica Paulo Vinicius Baptista da Silva, presidente da comissão de validação da autodeclaração de raça/cor da UFPR.
“Trabalhamos com fenótipo e mútuo reconhecimento. Não existem e não podemos ter critérios [como características de cabelo ou formato do rosto] para isso, porque eles foram utilizados, ao longo do século 19, como critério de segregação por razões que se diziam científicas. Na hora de discriminar, nós sabemos quem é negro [ou pardo] e quem não é. E na hora de discriminar positivamente nós não vamos mais saber? [Na linha] deste contrassenso [segue] a defesa de que temos mecanismos para defender as pessoas que podem fazer jus a este processo de discriminação positiva”, explica Silva.
Banca
Ao chegar ao prédio histórico da UFPR, os estudantes convocados passaram pela etapa de identificação e confirmação de presença antes de serem encaminhados, individualmente, para as bancas de validação. Cada uma delas era composta por três avaliadores: um indicado pela Pró-reitoria de Graduação da UFPR (Prograd), outro pelo setor de Ciências Jurídicas e o terceiro por um representante de movimento afrodescendente.
Recurso
Os candidatos que tiveram suas autodeclarações indeferidas pela banca de validação da UFPR puderam apresentar recurso à decisão. A orientação da comissão responsável pela banca era a de que, além da cópia da autodeclaração (a universidade reteve o documento original), os estudantes anexassem “provas” que comprovassem que eles poderiam ser reconhecidos como pretos ou pardos, como informações de suas trajetórias de vida e fotografias.
A banca que avaliará os recursos será composta por cinco pessoas (da primeira participaram três avaliadores) que irão analisar as informações entregues pelos estudantes e o vídeo das entrevistas realizadas na banca. De acordo com o edital, a previsão é a de que o resultado dos recursos seja divulgado a partir do próximo dia 25 de janeiro.
“Os indicados da Prograd são pessoas que estudam e/ou têm experiências com relações sociais, enquanto os do setor de Jurídicas têm trajetória em direitos humanos. Os do movimento negro, por sua vez, tem um conhecimento sobre a temática que precisa ser reconhecida e referendada”, acrescenta Silva. Os movimentos negros cujos integrantes participaram das bancas são: Associação Cultural de Negritude e Ação Popular (Acnap), Rede Mulheres Negras e a Frente Negra da UFPR, grupo social formado por alunos da universidade. “Os estudantes sempre estiveram ajudando nas bancas, mas esta foi a primeira vez que eles participaram como avaliadores”, lembra o presidente da comissão de validação.
As entrevistas, segundo relatos de estudantes ouvidos pela reportagem e aprovados na banca, duraram poucos minutos, sendo solicitado a eles, somente, que dissessem seu nome “para a câmera”.
Os calouros que tiveram suas autodeclarações indeferidas, por sua vez, relataram outros questionamentos por parte dos avaliadores, como “se já haviam sofrido algum tipo de preconceito?” ou “por que se consideravam pretos ou pardos?”.
“Eles não pediram os documentos do meu pai [comprovando a ascendência] e, quando ofereci, disseram que não era necessário”, reclamou uma estudante aprovada em Ciências da Computação que se autodeclarou parda e não foi aprovada pela banca. A jovem afirmou que iria apresentar recurso à decisão.
Sobre esta questão, Silva explica que, para as bancas, a universidade seguiu o texto do voto do ministro Ricardo Lewandowski, relator do processo de constitucionalidade das ações afirmativas. “Além de discutir a possibilidade de controle, ele, usando a bibliografia de referência da Sociologia, afirma que a autodeclaração é o primeiro instrumento. Mas que ela deve ser confrontada com outros mecanismos, que podem ser bancas de verificação nas quais o critério deve ser o fenótipo, nunca a ascendência”, acrescenta.
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Segurança
O argumento de garantir a segurança do processo seletivo e evitar fraudes nas cotas raciais, apresentado pela UFPR para justificar a retomada da banca de validação da autodeclaração, foi reconhecido e validado pelos estudantes ouvidos pela reportagem que precisaram se apresentar aos avaliadores.
“Acredito que é necessário devido à [possível] má-fé dos outros [candidatos]. Já tiveram vários casos de pessoas que se inscreveram em outras universidades pelas cotas e que depois foi verificado que mentiram sobre sua etnia ou raça. Não é uma coisa legal de se fazer, vir aqui e falar ‘eu sou negra, como você pode ver’, mas é (...) uma segurança para os cotistas”
“Acredito que é necessário devido à [possível] má-fé dos outros [candidatos]. Já tiveram vários casos de pessoas que se inscreveram em outras universidades pelas cotas e que depois foi verificado que mentiram sobre sua etnia ou raça. Não é uma coisa legal de se fazer, vir aqui e falar ‘eu sou negra, como você pode ver’, mas é (...) uma segurança para os cotistas”, avalia uma estudante aprovada em História e que teve sua autodeclaração deferida pela banca.
A adoção de mecanismos de controle quanto a veracidade da autodeclaração de raça/cor era uma demanda apresentada, inclusive, por servidores da UFPR. De acordo com Silva, um estudo não publicado, utilizado como instrumento de controle interno da universidade, realizado a partir de uma amostra de 30% dos ingressos por cotas raciais no processo seletivo 2014/2015 apontou que 10% deles foram considerados brancos pelos servidores que receberam a autodeclaração de raça/cor como preto ou pardo. Naquele período, a banca examinadora havia sido extinta, sendo a assinatura da autodeclaração o critério adotado para a matrícula dos cotistas raciais.
A pró-reitora de Assuntos Estudantis, Maria Rita de Assis César, lembra que, quando se lida com políticas sociais, a forma ideal nunca existe e é construída por meio de tentativas. Ainda segundo ela, a necessidade das bancas representa uma foram de se corrigir [e se evitar] enganos e fraudes.
“[As cotas raciais] não são um privilégio, mas um direito conquistado, tendo em vista uma universidade pública inclusiva que consiga trazer os segmentos diversos da população para dentro das salas de aula”, acrescenta.
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