Os adversários do movimento Escola Sem Partido costumam argumentar que a aprovação de leis contra a doutrinação em sala geraria censura e perseguição de professores simplesmente por exporem suas opiniões. Mas não é o que aconteceu na primeira cidade do país a aprovar uma lei contra a doutrinação nas escolas.
Não há sala de aula em Santa Cruz do Monte Castelo, cidade de 8 mil habitantes no norte do Paraná, que não exiba um cartaz com a seguinte mensagem: "O professor não abusará da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente político-partidária". O aviso faz parte do programa Escola Sem Partido, aprovado de forma unânime pela Câmara de Vereadores em 2014 e implementado nas escolas municipais em meados de 2016.
A pequena cidade é a única no Brasil com a lei em vigor: leis da Escola Sem Partido chegaram a ser aprovadas em Campo Grande (MS), Picuí (PB) e no estado de Alagoas, mas acabaram vetadas após protestos de algumas entidades e movimentos de professores. Uma proposta semelhante também está na pauta do Congresso Nacional. Projetos do tipo costumam receber críticas de sindicatos de professores sob o argumento de que retiram a liberdade de expressão em sala de aula.
Autor da proposta na cidade paranaense, o vereador Armando de Meira Garcia (PSDB) diz que a medida era necessária: “É evidente que professores se utilizam de suas aulas para tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas e fazer com que eles adotem padrões de conduta incompatíveis com os ensinados por seus pais”, diz o vereador.
Ele afirma que crianças nos primeiros anos escolares ainda não desenvolveram senso crítico e por isso mesmo são mais vulneráveis. “Agora elas estão legalmente protegidas”, diz.
Nova realidade
A implantação da lei parece não ter causado problemas na cidade “Embora tenha existido uma resistência natural no início, talvez por não termos o conhecimento necessário da legislação, tudo se normalizou rapidamente e não houve nenhum grande incidente”, diz a professora da rede municipal de ensino Renata Ortiz Garcia Fernandes. “Não mudou absolutamente nada na minha rotina profissional. Os pais, em geral, entenderam perfeitamente a lei e apoiaram as medidas”, assegura. “A cidade entendeu o espírito da lei e já a respeita, mesmo inconscientemente”, reforça o vereador Armando.
Sobre uma suposta onda de denuncismo, principal argumento utilizado pelos opositores do projeto, o temor parece infundado – ao menos em Santa Cruz do Monte Castelo. Na cidade, não há registros de um aumento no número de denúncias. Nenhum professor ou representante da administração municipal ouvido pela reportagem relatou casos do gênero.
“Alguns professores, inclusive, encararam como uma oportunidade para reflexão, para melhorar as práticas vigentes em sala de aula”, pondera Renata.
Além dos cartazes em sala de aula, a lei veda expressamente a prática de “doutrinação”, e inclui dispositivos como este: “O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.”.
Adaptação
Em Santa Cruz do Monte Castelo, desde o início de 2015 a Secretaria Municipal de Educação procura orientar os professores sobre como se portar no ambiente escolar com a nova lei.
“Seguimos orientando e promovendo diversos cursos sobre o tema”, explica a secretária municipal de Educação, Valdevina da Cunha Guerreiro. “Não alterou em nada nosso dia a dia. Não tivemos nenhuma denúncia ou reclamação formal por parte de pais e professores”, complementa.
Se o debate em torno da lei ainda continua rendendo em Santa Cruz do Monte Castelo, o certo é que a medida não causou o impacto negativo temido por muitos professores – e pode ter gerado uma consequência não prevista pelos defensores da proposta: o fim das orações nas escolas municipais e a realização de festas juninas sem São Pedro ou São João.
A lei da Escola Sem Partido diz que o professor não deve introduzir temas que possam estar em conflito com as “convicções morais, religiosas ou ideológicas” de alunos e pais. Por isso, a abordagem sobre religião também foi alterada. "Não fazemos mais orações porque há crianças de várias religiões. As festas também não têm mais menção a santos", conta Valdevina.
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