Uma modificação relevante na política de seleção dos estudantes da Universidade Federal do Paraná (UFPR), com reserva de vagas já na primeira fase do vestibular, evidenciou as discrepâncias entre as notas de corte dos alunos cotistas e dos que participam da concorrência geral. Nos cursos mais procurados, para passar à segunda fase, os candidatos da ampla concorrência tiveram de obter pontuação de quatro a cinco vezes maior que a dos candidatos pobres que se enquadram também na cota racial. Entretanto, as notas máximas em alguns cursos, como Medicina, se assemelham, o que indica que apenas os mais preparados vão ingressar na instituição (veja no gráfico).
Uma das maiores diferenças foi observada no curso de Engenharia Mecânica. Entre os candidatos das cotas sociais autodeclarados negros, pardos ou indígenas e com renda per capita de 1,5 salário mínimo, o último convocado acertou 11 questões, de um total de 80. Foram convocados 10 alunos desse grupo de cotas, que vão concorrer a 6 vagas. Na ampla concorrência, foi preciso acertar 51 questões. São 38 vagas para esse grupo e 138 convocados.
A Lei Federal n.º 12.711/12 estabeleceu o prazo de 2016 para as instituições federais de ensino superior reservarem 50% das vagas para estudantes que cursaram o ensino médio integralmente em escolas públicas. Dentre essas vagas, 50% são destinadas a pessoas de baixa renda. Além disso, a instituição deve ofertar vagas proporcionais ao número de negros, pardos e indígenas na população de cada estado. A UFPR destinou aproximadamente um terço da cota de 50%.
Sisu
Quem não passou para a 2.ª fase ainda tem chance de ingressar na instituição, por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Serão 1.929 vagas, preenchidas pela nota do Enem. Será em janeiro.
No curso de Medicina, o mais concorrido, a nota de corte da cota social aliada à cota racial ficou em apenas 30, contra 64 da ampla concorrência. As notas máximas, porém, não divergem tanto: 65 a 74, respectivamente. A concorrência nos dois grupos para a segunda fase será de cinco candidatos por vaga. Para os cotistas sociais e raciais, há 10 vagas para 50 convocados, o que sugere que apenas os mais preparados vão ingressar efetivamente na UFPR.
O abismo nas notas de corte de vários cursos causou polêmica na página da UFPR no Facebook. Estudantes que tentaram a concorrência geral reclamaram que ficaram de fora mesmo tendo acertado muitas questões e que o sistema de cotas é injusto. Algumas pessoas que afirmaram estudar na UFPR defenderam a medida, argumentando que a presença de negros, por exemplo, é muito baixa.
“A questão é que este é um processo seletivo, e não há vagas suficientes para atender à demanda de toda a sociedade”, diz o coordenador do Núcleo de Concursos da UFPR, Mauro Belli. Segundo ele, não é possível criar um obstáculo a mais, como uma nota de corte para os cotistas, para evitar que com poucos acertos o candidato passe à segunda fase.
Belli ressalta que a discrepância das notas já acontecia nos outros anos, mas não era aparente entre a primeira e segunda fase. “E com a lei federal aumentamos um pouco a quantidade de vagas para cotas, de 40% para 50%”, diz.
“Quando as notas se assemelharem, não será mais necessária a reserva de vagas”, afirma professor
A diferença de nota de corte entre vestibulandos cotistas e não cotistas mostra que o sistema é injusto? Para o advogado Jorge Alberto Saboya Pereira, professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em uma sociedade desigual e injusta como a brasileira é difícil fazer essa definição.
“Vários dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE ) mostram que ainda há muita diferença na nossa sociedade. A maioria das pessoas não tinha acesso à universidade, e mesmo com algumas cotas era difícil ver nos cursos de Medicina, por exemplo, negros ou pessoas de baixa renda”, avalia.
Segundo Pereira, é preciso tratar de forma desigual os desiguais, e é isso que as cotas fazem no país. “Na dimensão legal, não há mais o que discutir. O Supremo Tribunal Federal já definiu isso, com base nesse princípio”, afirma.
Para ele, a cota deve existir como uma política pública de prazo determinado. “É um sistema ruim, mas é necessário para diminuir as diferenças e atender as demandas da sociedade”, afirma o professor da UERJ.
Razão de ser
O cientista político Emerson Cervi, professor da Universidade Federal do Paraná, pondera que a diferença entre as notas de candidatos cotistas e não cotistas é justamente a razão de haver a política de ação afirmativa na instituição de ensino. Segundo ele, quando as notas se assemelharem, não será mais necessária a reserva de vagas.