A proposta que prevê a reformulação do currículo de todas as escolas brasileiras de educação básica está alimentando uma polêmica entre pais, professores e especialistas. Ainda em fase de elaboração, a Base Nacional Comum Curricular (BNC) deve padronizar 60% dos conteúdos a serem apresentados aos alunos dos ensinos fundamental e médio, ano a ano – os outros 40% serão definidos pelas próprias instituições e redes de ensino, contemplando particularidades regionais. O processo, capitaneado pelo Ministério da Educação (MEC), envolve colaboradores de todos os estados e permite a participação da sociedade pela internet.
O dia 2 de dezembro foi definido pelo MEC como a data de mobilização de todo o país em torno da Base Nacional Comum Curricular (BNC). O objetivo é chamar a atenção de escolas e da comunidade para que contribuam com as discussões do documento. Disponível para consulta pública no site basenacionalcomum.mec.gov.br, o texto preliminar foi elaborado por uma equipe de 116 especialistas de 35 universidades. Até 15 de dezembro, ele estará em fase de consulta pública.
Entre as maiores controvérsias está a listagem de tópicos previstos em História, sobretudo ao longo das três séries do ensino médio. Para os críticos dessa proposição inicial, a disciplina privilegiaria a história do Brasil, das Américas e da África, restringindo expressivamente a abordagem de temas como a Antiguidade Clássica e a Idade Média, por exemplo.
Para a professora de História Carine Bajerski, do Colégio Farroupilha, de Porto Alegre, a BNC peca ao tentar combater o eurocentrismo que sempre marcou a historiografia. “A base está muito focada em civilizações africanas, nos ameríndios. Deixaríamos de ver toda a parte da formação da civilização ocidental da qual fazemos parte”, aponta a docente. “Precisamos entender a história como algo completo, global. Se foco só em América, só em África, como faço o aluno do mundo globalizado entender a atualidade?”, questiona.
Um currículo de Língua Portuguesa que pouco contempla a gramática e uma proposta para as aulas de Literatura que inclui análise do “internetês” também são alvo de contestações.
Em uma análise do esboço curricular, as pesquisadoras da USP Paula Louzano e Ilona Becskeházy identificaram que só havia referências à gramática até o 3.º ano do ensino fundamental – quando se espera ver concluído o processo de alfabetização.
Para o professor William Cereja, doutor em Estudos da Linguagem pela PUCSP, é necessário prever o ensino da gramática normativa para todas as séries. “Ninguém está propondo que a norma padrão seja considerada o único uso possível da língua e o único ‘correto’. Contudo, fica difícil você ensinar a norma padrão sem entrar em certos conteúdos básicos”, afirma.
Objetivo seria elencar prioridades
Um dos especialistas convidados pelo MEC para a preparação da BNC, Mauro Cezar Coelho, professor associado da Universidade Federal do Pará (UFPA), afirma que um dos objetivos do novo currículo é elencar prioridades dentro da vastidão compreendida pela história da humanidade.
“Em nenhum momento pretendemos deixar de fora ou subdimensionar qualquer dos nexos que ligam o Brasil a sua herança ocidental, europeia. Nosso objetivo é que o aluno tenha contato com um conhecimento mais significativo para ele, que fale mais da sua realidade”, justifica Coelho, salientando que a BNC ainda está sujeita a mudanças, e eventuais carências poderão ser supridas na porção curricular determinada pelos estados.
Manuel Palácios, secretário de Educação Básica do MEC, também frisa que o documento deverá sofrer alterações. Uma segunda versão será confeccionada a partir de 15 de dezembro, quando se encerra a primeira fase de coleta de opiniões on-line.
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