Leitos fechados em um dos principais hospitais da Zona Oeste de São Paulo, creches recusando filhos de alunas, funcionários em falta nos refeitórios, cada vez menos professores, prédios sem reformas, bens móveis alienados e renegociação de contratos. O cenário descrito é o da Universidade de São Paulo (USP), instituição mais bem avaliada na América Latina, segundo ranking da consultoria Times Higher Education, mas que vive grave crise e deve encerrar 2016 com um déficit de R$ 625 milhões.
Desde 2014, a USP adotou algumas medidas numa tentativa de equilibrar as finanças: suspendeu novas contratações e implantou um programa de incentivo à demissão voluntária que enxugou 1.433 pessoas do quadro técnico-administrativo. Até o fim do mês mais trabalhadores devem aderir ao programa, com risco de, dessa vez, comprometer o funcionamento da cozinha, do laboratório e da enfermagem do Hospital Universitário (HU), além das creches.
A crise na instituição é percebida mais claramente no HU, um dos principais da Zona Oeste. Cerca de 50 leitos estão fechados por falta de funcionários, segundo o Ministério Público Estadual, que instaurou um inquérito civil e tenta apoio de governos municipal, estadual e federal para “salvar” o hospital.
“O problema é da USP? Sim, mas é um hospital que atende o SUS. Precisamos colocar o HU de pé. Se continuar se degradando como está, vai ser um caos na Zona Oeste. Tentamos uma saída, com auxílio das secretarias de saúde (municipal e estadual). Em setembro teremos uma nova reunião, para que sejam firmados convênios para reabrir os leitos”, explica o promotor de Justiça Arthur Pinto Filho, da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos - área de Saúde Pública.
“O HU encontra-se hoje com um quarto de sua capacidade de internação reduzida e existe possibilidade de fazer muito mais pela população. Tem paciente que fica internado na emergência, numa maca, enquanto 56 leitos estão vazios”, conta Gerson Salvador, vice-diretor clínico do HU e diretor do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp).
Em falta, 43 médicos
Por dia, no pronto-socorro, eram atendidas cerca de 1,4 mil pessoas. Com a crise, o atendimento caiu para 900 pacientes.
“A condição está ruim para o paciente e também difícil para quem trabalha. São 213 funcionários a menos e um déficit de 43 médicos, principalmente pediatras, anestesistas e clínicos”, contabiliza Salvador.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS), por nota, informou que “as unidades de saúde do entorno do Hospital Universitário (HU) receberam diretrizes para orientar os pacientes sobre os casos que devem ser resolvidos nas UBS (unidades básicas de saúde). Além disso, haverá um comunicado produzido pela SMS em parceria com o HU com essas informações. Já está em estudo a viabilidade de ampliação do horário de funcionamento de algumas unidades”. A nota informa ainda que há três equipes de Estratégia da Saúde da Família (ESF) na Zona Oeste, um novo posto foi inaugurado e a construção de uma nova UBS está em andamento para ampliar o acesso à rede.
No HU, a creche para filhos de funcionários fechou. As outras cinco creches da USP em funcionamento — três na capital e duas no interior — não admitiram novas crianças neste ano. E estão com funcionamento ameaçado se mais trabalhadores aderirem ao novo plano de demissão voluntária, que termina em agosto, segundo Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp). Pelos cálculos das equipes internas, que pediram para não serem identificadas, 140 filhos de estudantes e funcionários poderiam estar matriculados em 2016. Além da negativa de novas matrículas, materiais de uso diário — como folhas de sulfite, tintas e lápis — estão escassos. Muitas alunas, sem creche para colocar os filhos, trancaram cursos ou mandaram filhos para casa de avós em outras cidades.
“Sem creche gratuita não teria como fazer o mestrado. Sei de pessoas que moram na USP, mas tiveram que mandar o filho para casa da avó em outra cidade. Outras mães optaram por trancar. A crise foi usada como argumento para fechar vagas”, conta Marcela Peters, 27 anos, que tem dois filhos na creche da USP.
Refeitórios sem funcionários
Nos quatro refeitórios, que servem 10 mil refeições por dia, faltam funcionários.
“Trabalham 170 pessoas hoje. Precisaria ter pelo menos mais 70 trabalhadores para dar conta da demanda diária. Com a sobrecarga, muitos adoecem com frequência. O dia a dia tem pressão, cobrança e vemos mais pessoas saindo”, relata Marcelo Pablito, diretor do Sintusp.
Segundo a USP, foi criada uma nova estrutura ligada ao Conselho Universitário, a Controladoria Geral da Universidade. O setor é responsável pelo acompanhamento da gestão contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, bem como pela execução orçamentária e sua conformidade com as diretrizes estabelecidas. As medidas adotadas até agora, segundo a USP, reduziram em 12% as despesas de pessoal e em 46% os gastos de outros custeios e investimentos.
De acordo com o Tribunal de Contas do Estado (TCE), as contas da USP de 2012, 2013, 2014 e 2015 ainda estão em análise, sem previsão para serem julgadas. Segundo a advogada Ana Tereza Basilio, a demora não significa omissão ou falta de decisão.
“É de conhecimento que as contas de 2011 tiveram irregularidades apontadas. Logo, o TCE está tendo mais trabalho para analisar as contas dos anos seguintes. A decisão virá e poderá imputar responsabilidades de gestores se novas irregularidades forem constatadas”, explica.