Nem sempre outra opinião é bem-vinda
Depoimento Jônatas Dias Lima, repórter do Vida na Universidade.
"Com frequência discordava dos professores durante o meu tempo de universitário. Duas situações em especial servem para ilustrar como a reação de um aluno pode ter consequências distintas, dependendo de como o professor a recebe.
Numa dessas vezes, o conflito de pontos de vista começou em sala de aula, durante um debate sobre política, e se estendeu à lista de e-mails da turma. Foi um desastre. O professor mudou a estratégia e passou a criticar o que eu defendia de forma indireta e esforçava-se para colocar parte da turma contra mim. Para piorar, minhas respostas em provas dissertativas passaram a ser analisadas com um rigor claramente maior do que o aplicado ao resto da turma, mantendo-me, no máximo, com notas medianas. No fim do semestre fui deixado para prova final e aprovado por dois décimos.
Em outra ocasião, tomei coragem e interrompi a professora que ensinava sobre conceitos de religião que eu conhecia e sabia que estavam expostos de forma errada. Na hora, ela se espantou, pediu fontes de onde eu havia tirado aquela resposta e disse que verificaria. Na aula seguinte conversamos, nos entendemos, ela me elogiou pela iniciativa e a aula dela passou a ser a minha preferida.
Em ambos os casos tentei agir com polidez, sem desrespeitar a autoridade do professor, mas estou convencido de que nem o mais gentil dos questionadores obteria bons resultados sempre. Há professores que, infelizmente, ignoram o dever de ajudar os alunos a pensar e são obcecados em fazer o aluno pensar como ele."
Os primeiros meses de 2008 foram tensos para a fotógrafa Juliana Fragetti Ribeiro Lima, ex-aluna do curso de Jornalismo na Universidade Nove de Julho, em São Paulo. Católica devota, acostumada a ler livros sobre história da Igreja, ela passou um semestre inteiro de seu curso em debates acalorados com um professor de Sociologia, segundo ela, determinado a desqualificar sua religião durante as aulas. O problema chegou à coordenação do curso, com o professor alegando que não tinha condições de dar aula com as constantes interrupções de Juliana e a estudante afirmando que o professor ofendia sua fé e mentia sobre fatos históricos.
Situações como a de Juliana ocorrem em qualquer turma de faculdade, especialmente nas disciplinas da área de Humanas, onde os temas políticos, ideológicos, morais e religiosos tendem a dividir os colegas. Mas a tensão se agrava quando o professor adota o papel de defensor de uma única linha de pensamento e deprecia explicitamente as demais.
Para a psicopedagoga e doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Maria Sílvia Bacila Winkler, o docente precisa ser cuidadoso ao defender pontos de vista diante dos alunos. "A sala de aula não é um palco para exibir opiniões. Debates devem ser pautados em fatos e o bom professor sabe acolher o olhar do aluno", afirma. Maria Sílvia lembra que a caminhada intelectual de alunos e professores é diferente, com leituras e experiências diversas que fizeram cada um deles chegar a defender suas ideias. "É preciso lembrar disso antes de se envolver emocionalmente nessas discussões mais efervescentes. A humildade é o melhor caminho para cada um expor o que pensa", diz.
A coordenadora do curso de Pedagogia nas Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil), Paulla Helena Silva de Carvalho, opta por admitir abertamente desde o início do contato com a turma a linha que segue, mas sem cair no proselitismo. "Eu tenho uma base marxista, mas não a defendo como verdade absoluta. É preciso conhecer todas as correntes de pensamento existentes e saber o que dizem, nem que seja para criticá-las", explica. Segundo Paulla, uma boa maneira de o professor conhecer a turma e dar espaço para visões diferentes é criar oportunidades frequentes para que os alunos se expressem durante as aulas.
Alunos
Assim como os docentes, alunos também precisam respeitar limites na hora de expor opiniões ou contradizer o professor. O filósofo e colunista da Gazeta do Povo Carlos Ramalhete considera que o foco das críticas e o equilíbrio ao fazêlas é o que separa o bom aluno daquele que questiona apenas para provocar o professor. "Se o estudante é movido apenas pela agressividade, atacando elementos alheios à aula, ele quer bater boca, não quer discutir. Deve ser impedido de atrapalhar", defende.
Entretanto, uma honesta demonstração de discordância é o sinal mais claro de que o estudante se importa com o assunto e a consideração deve ser valorizada. "O aluno que questiona pontos sobre a matéria pode aprendê-la melhor do que alguém que só decora o suficiente para a prova. Nesse caso, o professor deve ajudálo a formular corretamente suas críticas e incorporar o debate à explanação do conteúdo", diz.
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