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O professor é um observador privilegiado. Do ponto em que está enxerga um retrato. Melhor, dois. Explico. Vê primeiro "uma pintura" da turma que lhe foi confiada – os amigos que se aninham, num canto. Os que não encontraram sua tribo, noutro. Os que desejam com ardor estar sempre perto da porta e das escotilhas, pois é lá fora que está o seu coração. Vê a turma do fundão – verdadeiro ímã, para o qual ocorrem hora ou outra toda a tropa de Caxias. Com o passar dos anos, esses acordos juvenis serão modificados, dando a certeza de que uma classe muda como o vento. Melhor não subestimar.

Lá da frente se vê também a quantas anda a aula que damos. É o segundo retrato. As posturas da turma são como notas do boletim. Se forem muitos os empinados, contorcendo a coluna para se manter acordados; e haver outros tantos rendidos, jogados por cima da mochila, epa, melhor parar tudo e ver o que ainda dá para salvar. Nem sempre a gente tem sangue frio para enfrentar o que julgamos ser indiferença, mas que bem pode ser sinceridade explícita.

O corpo do aluno não mente. Se estiver motivado, seus olhos acendem, o tronco se projeta levemente para frente. Há uma caneta por perto, só por precaução. E riso, sempre, pois é a menor distância entre duas pessoas. Mas que o professor não se iluda – impossível dar a melhor aula da sua vida todos os dias.

Os que estão sentados de lado, perna cruzada, de olho no canto esquerdo da sala, fazem parte do cosmo educacional. Operam sinapses. E se tomados pela preguiça, como diz Barthes, estão de posse de aprendizado, pois só quem despreza algo aprende de fato, de sua escolha, movido pelo prazer. É a regra da vida. Pobre do mestre que se esquece disso.

No mais, melhor do que se descabelar com celulares, bocejos e cochichos é investigar, qual antropólogo, as relações que se formam nas fileiras. Até julgamos saber o que se passa, tolos que somos. Mas quando alguém passa aquele bilhetinho, alguém ri, ich!, fica a certeza de que o mundo dos alunos não nos pertence. A propósito, acho mesmo que o encanto da sala de aula é essa pequena distância entre eles e nós.

Não fosse essa vala, veríamos Camila, "aquela chata" e não Camila, "impaciente com a ordem do mundo...". Por saber que sou um representante do lado de lá é que consigo prestar atenção na aluna que chora a perda do namorado. É um clássico. E me surpreender com os "alunos invisíveis". Não conseguimos guardar seus nomes, pois não nos fazem piadas, nem têm as melhores notas. Não guardamos seu rosto, pois fazem tudo para escondê-lo. Deles nada sabemos, pois nem naquele exercício de autorretrato se deixaram revelar.

Mas num dia qualquer, lemos um trabalho incrível e ficamos nos perguntando quem será esse Leandro ou aquela Rafaela. Na hora da entrega, é ele, é ela, o invisível. Vale uma vida, pois o inesperado nos dá a convicção de que a turma não cabe nas nossas simpatias e impressões. Em sala de aula, o que vemos não é o que enxergamos, se me permitem o trocadilho bobo.

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