A divulgação da primeira chamada do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), agendada para a próxima segunda-feira, corre o risco de ser mais um capítulo de um tumultuado processo de seleção e distribuição de vagas no ensino superior brasileiro. Desde a aplicação da prova do Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), que serve de critério para classificação no Sisu, foram registrados problemas que podem afetar a credibilidade da proposta do governo federal de democratizar o acesso à universidade pública. A sucessão de panes no sistema já levou à substituição do presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) e do coordenador-geral de Infraestrutura da Diretoria de Tecnologia de Informação do Ministério da Educação (MEC) em menos de uma semana.
Os problemas desta edição começaram ainda na aplicação das provas do Enem, em novembro de 2010. Falhas na montagem das provas amarelas levaram à realização de novos exames para 9,5 mil estudantes de 17 estados, no dia 15 de dezembro. Na divulgação dos resultados, no dia 14 de janeiro, novo impasse: 6 mil estudantes foram desclassificados. De acordo com o Inep, os candidatos marcaram errado o tipo de prova. A justificativa é contestada pelos alunos prejudicados.
Com as notas do Enem em mãos, os estudantes interessados no Sisu partiram para as inscrições no site do MEC, informando cursos superiores e instituições de ensino de interesse. Dificuldades no acesso de dados e vazamento de informações provocaram nova pane no sistema. As graves ocorrências derrubaram o então presidente do Inep, José Joaquim Soares Neto. Ele foi substituído por Malvina Tânia Tuttman, ex-reitora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Os percalços no processo levaram os estudantes prejudicados a acionar a Justiça para rever prazos e critérios de seleção. O Sisu foi prorrogado por dois dias. As inscrições no sistema puderam ser feitas até a última quinta-feira. No total, foram registradas 2,02 milhões candidaturas por 1,08 milhão de estudantes em todo o país. Mas uma série de decisões judiciais liminares que garantiam mais prazo para estudantes fluminenses, acesso às notas do Enem e até um pedido de prorrogação de inscrições no Sisu para todo o país antecipou o fim das férias do ministro da Educação, Fernando Haddad, que anunciou na sexta-feira uma auditoria interna para apurar as falhas. Todas as liminares foram suspensas pela Justiça.
Para alunos e professores, a sequência de problemas técnicos na aplicação das provas do Enem e nas inscrições ao Sisu comprometem a eficácia do processo de seleção que pretende valorizar os conhecimentos integrais dos alunos. Muitos candidatos que foram prejudicados contam que não acreditam em melhoras para o sistema nos próximos anos.
O estudante João Guilherme Baggio Lima, de 18 anos, teve as notas do Enem anuladas e não poderá ingressar em uma universidade neste ano. Aprovado em duas instituições particulares para o curso de Engenharia Mecânica, ele não tem condições de arcar com as mensalidades e a falta do Enem tirou suas chances de disputar uma vaga pelo Sisu na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). "Fico muito frustrado por me prejudicar por um erro que não foi meu", diz. Ele garante que preencheu corretamente os cartões-resposta do Enem.
Para o diretor do curso Dom Bosco, Luiz Octávio Stocco, a proposta do sistema unificado de seleção é muito importante para a inclusão social no ensino superior. No entanto, ele lamenta as falhas que comprometem a legitimidade do processo. "O Enem é um exame que veio pra ficar, mas o sistema de avaliação precisa ser aprimorado", diz. Para o professor do setor de educação da UFPR Odilon Nunes, a grande questão está na qualidade do ensino superior. "Nos desviamos do principal para lidarmos com o secundário, que é o mecanismo de acesso. Precisamos nos preocupar com uma educação superior de qualidade", alerta.