Sabia que neste exato momento, na sua empresa (e em boa parte delas ao redor do mundo), há um desperdício extraordinário de energia, tempo, talento e dinheiro para alcançar resultados que ficam muito aquém do que as equipes poderiam render? E que muitas pessoas estão executando tarefas operacionais, mas recebendo por cargos de gestão? Pior: tudo isso por “culpa” de profissionais capacitados, bem-intencionados, que na maioria das vezes não medem esforços e dão o seu melhor para a companhia.
“Temos analistas fazendo o papel de auxiliares, gestores fazendo o papel de analistas, diretores desempenhando as funções de gerentes e assim por diante. A empresa fica cheia de ‘músculos’ [os executores], mas sem cabeça [estratégia]. Qual o custo disso para a companhia?”
Essa aparente contradição se deve a um desequilíbrio frequente, quase generalizado, entre as entregas esperadas nos diversos níveis hierárquicos e as tarefas que consomem de fato a maior parte do tempo dos colaboradores. Consultor organizacional e gestor de pessoas há 23 anos, o diretor técnico da Duomo Educação Corporativa, Joacir Martinelli, explica melhor. Para isso, toma como ponto de partida o livro Pipeline de Liderança, do consultor indiano Ram Charan, considerado o “guru” da gestão de pessoas, que distribui os cargos numa companhia entre seis “níveis de complexidade”: gestor de si mesmo, gestor dos outros, gerente de gestor, gerente funcional, gerente de negócios e gestor corporativo. São os tais “tubos” (pipelines) que vão se conectando à medida que se evolui na organização.
Martinelli expõe seu raciocínio: “Na base da pirâmide está o gestor de si mesmo. Muita gente considera (equivocadamente) gestor de si mesmo todo colaborador que não gerencia uma equipe. Não é isso. O que se espera de um gestor de si mesmo é que gerencie o próprio trabalho e dê resultado com autonomia. Essa pessoa deveria resolver todos os problemas da sua função e saber lidar com os imprevistos sem precisar acionar o seu gestor”.
“Algumas dessas pessoas com o tempo vão ficando muito boas naquilo que fazem, mostram uma habilidade ou talento natural e têm prazer em desempenhar suas funções. Com uma performance cada vez melhor na execução, de repente aparece uma oportunidade e a empresa resolve reconhecer a dedicação desse profissional, promovendo-o ao próximo nível (gestor dos outros)”, prossegue o diretor da Duomo.
Cargo novo ou nova profissão?
“O que acontece nesse momento? Ele fica super feliz, a família fica feliz, o salário aumenta, ele adquire um novo status na companhia, ganha uma sala, um carro... só que praticamente muda de profissão. Esse colaborador, que era excelente na execução, conhecia os processos como ninguém e tinha muito prazer no que fazia, de repente precisa se tornar um especialista em pessoas. Sua nova função é fazer com que os outros deem resultado”, observa Martinelli. “Vamos tomar um engenheiro mecânico como exemplo. De especialista em máquinas ou cálculo, ele passa a ser cobrado para ser um especialista em gente. Só que não foi essa a sua opção de carreira!”.
Cada um no seu quadrado
Essas cinco dicas podem ajudar as empresas a estabelecer e distribuir melhor as atividades entre cada pipeline de liderança
Leia a matéria completaEntretanto, esse conhecimento prévio é fundamental para que ele ajude a desenvolver seus subordinados. Por saber fazer, em tese ele terá mais autoridade para ensinar e cobrar. “E quando ele sobe de nível, provavelmente ele vai detectar uma série de pessoas da sua equipe que não estão dando o resultado esperado. Vai chegando o fim do mês e as coisas não acontecem. Ele também é pressionado pelos superiores, sabe exatamente como atingir o resultado e, para que não o considerem um mau gestor, assume a execução no lugar dos subordinados”, descreve o consultor.
E isso cria uma dinâmica nefasta: “Ao se ocupar das tarefas do pipeline anterior, ele deixa de cumprir algumas das suas atribuições, porque não cabe tudo na agenda. Ao mesmo tempo, como para ele a execução é muito simples, vai acomodando cada vez mais a sua equipe, que não precisa mais pensar. Esse gestor acaba infantilizando o seu time, dificultando o aparecimento de novos líderes e impedindo que sejam gestores de si mesmos”, observa.
Foco negligenciado
Só que esse círculo vicioso não para por aí. Ocupado demais com as atividades dos subordinados, com o que é urgente, ele acaba empurrando com a barriga o que é importante – o planejamento estratégico, estudo de mercado, novas tecnologias, visão de futuro, criatividade, competitividade, ações da concorrência. Ou seja, as suas próprias atribuições. Martinelli ressalta que esse comportamento se dá em todos os níveis: “Temos analistas fazendo o papel de auxiliares, gestores fazendo o papel de analistas, diretores desempenhando as funções de gerentes e assim por diante”, enumera. “A empresa fica cheia de ‘músculos’ [os executores], mas sem cabeça [estratégia]. Qual o custo disso para a companhia?”
Burger King enfrentou o problema de frente
Com apenas cinco anos de operação no Brasil, a rede de fast food Burger King quis “começar certo” e adotou a metodologia de desobstrução de pipelines de liderança apresentada por Joacir Martinelli em 2012. “Adotamos um programa de desenvolvimento, começando pela alta liderança e fomos cascateando até o nível de coordenador. Além de nos dar a consci
Leia a matéria completaPara acabar com isso é preciso “cortar o cordão umbilical”, ou seja, deixar muito claro as atribuições de cada nível e saber delegar. “Como hábitos são muito difíceis de mudar, a maioria das empresas precisa de uma ajuda externa”, conta Martinelli. “E é aí que entram consultorias como a nossa. Começamos de cima para baixo: reunimos todos os diretores, sensibilizamo-os sobre o problema e pedimos que eles definam a que tipo de trabalho eles deveriam estar dedicando a maior parte do tempo.”
É feito então um esboço sobre as atribuições de cada pipeline, e elas são colocadas no papel. A partir daí, cada profissional é estimulado a analisar o seu dia a dia e o espaço dedicado a essas atividades em sua agenda. “Transmitimos isso de forma didática e criamos uma consciência em todos os níveis, mas quem faz a manutenção no cotidiano da empresa é o gestor”, esclarece o consultor, que alerta: “Também não dá para romper esse vínculo com os subordinados de uma hora para outra. Se já infantilizei a equipe, a musculatura dela está atrofiada. Como gestor, preciso antes desenvolver estratégias para desenvolver esses músculos. Só que nesse processo eu vou descobrir que algumas pessoas só apresentavam resultados porque seus superiores assumiam a execução. Dificilmente vão entregar por conta própria o que se espera delas naquele nível. Você precisa de jacarés, mas alguns são lagartixas naquela função. Aí será preciso tomar uma decisão: realocar esse profissional para alguma área onde ele possa ser jacaré, ou permitir que ele o seja em outro lugar.”