Vinte e sete de outubro de 1971. Para a maioria, só mais uma quarta-feira como outra qualquer: escola, trabalho, nada que fizesse a vida realmente valer a pena. Para os aficionados por futebol, entretanto, aquela prometia ser "a noite mais linda do mundo".
Sim, afinal de contas, o Coritiba teria pela frente o maior time desde que um índio emendou um voleio num coco e inventou o esporte: o Santos de Pelé. Não confundir com o Santos, um clube, digamos, igual aos demais gigantes brasileiros.
Para a juventude que lê a coluna (existe?), não se deve também misturar os Édsons. Lá no início dos 70, Pelé era ainda o Atleta do Século, tricampeão do mundo no ano anterior, destaque do superlativo esquadrão canarinho. Nada a ver com o tiozinho pé-frio e "poeta" (quando calado) com o qual já nos acostumamos.
Não bastasse, a representação peixeira ainda dispunha de Ramos Delgado, Oberdan, Rildo, Clodoaldo, Edu, entre outros. Seria uma bronca tremenda não possuísse o Coxa um escrete tão malvado quanto.
A defesa era um absurdo. Nilo, Cláudio Marques, Hermes e Pescuma bastava este último, um zagueiro de 5 metros de altura por 2 de largura, capaz de intimidar o mais denodado dos avantes. Organizando tudo isso, na chamada "volância", Capitão Hidalgo, que não mereceu a alcunha por acaso.
E na frente, a dupla caipira Paquito e Tião Abatiá, vinda de Bandeirante, forjada na Vila Maria, por muitos anos conhecida como um dos lugares mais perigosos e inóspitos para a prática do futebol no globo terrestre.
Bola rolando no então Belford Duarte e logo o lance definitivo. Eram jogados 18 minutos quando Tião Abatiá partiu em fuga pelo lado esquerdo do gramado. Momento em que as mais de 30 mil pessoas presentes ao estádio pressentiram algo fantástico por vir.
Cabe aqui uma breve digressão e perdoe-me a redundância (está tudo na foto). Mas Tião Abatiá não era um atacante comum, a começar pelo nome. Poderia ser apenas Tião, como somente Abatiá. Mas não, era Tião Abatiá.
A figura ostentava ainda, como dizem hoje, um tremendo "diferencial". A cabeleira rebelde, as costeletas e a dentição imperfeita dos goleadores, algo completamente fora de moda atualmente, era do dente de Mentex e da falsificação de si mesmo.
Eis que o coxa-branca agrediu a bola com tamanha violência que, contam quem esteve lá, se acertasse em alguém matava. Por sorte, o goleiro Cejas apenas resvalou, a esfera estufou o barbante e quase arrancou as traves do chão. Era o gol da vitória alviverde pelo Brasileiro, o tento que mais tarde faria ecoar noite adentro pelo Alto da Glória, Juvevê, Centro e cercanias: Tião Abatiá é melhor que Pelé!