O discurso pós-Copa está pronto, preparado sem carinho, com alguns rococós e desafiando a inteligência das pessoas. Não precisa ser vidente para antecipar o legado verbal a ser deixado pelo torneio da Fifa. A segunda-feira, 14 de julho, um dia após a final, será de muito blá-blá-blá.
Em Curitiba, por exemplo, o lema deve ter um mix de euforia "por ter dado tudo certo" com orgulho por "preservar a imagem de organizada da cidade". "As obras ainda estão andando a todo vapor, entulhos não atrapalharam a realização do torneio e em breve a população terá o bônus de abrigar o evento internacional", dirão os gestores públicos. Ou seja: "Um sucesso!"
O encarecimento dos trabalhos, acima da inflação anual, ficará na conta do equivocado orçamento inicial "pois a gestão anterior não dimensionou bem os gastos". A impontualidade nas entregas dos projetos terá um tom otimista: "Todas as intervenções urbanas que não estão prontas vão para o PAC da mobilidade, nada será abandonado ou feito de improviso, às pressas. A cidade não merece. Fiquem tranquilos..."
A retórica do poder público só não é mais previsível do que aquela a ser usada pela direção do Atlético. "Contra tudo e contra todos, terminamos a obra, evitamos a vergonha de Curitiba perante a comunidade internacional e entregamos para a cidade uma belíssima obra". Ficará assim, no imaginário dos cartolas, essa dívida de gratidão eterna do município e seus moradores "pela coragem do clube de desafiar forças autofágicas".
No balanço final, ninguém deve requentar assuntos como desapropriações, empréstimos obscuros, contratos ambíguos ou quem vai pagar a conta. Aliás, neste último ponto, em regra, a resposta tem o mesmo sujeito oculto: nós. Assim sendo, sobrará: "Faturamos X milhões em turismo e mostramos ao mundo nosso poder de realização para grandes eventos".
Ao analisar os prós e contras, esquece-se o projeto de 2009, quando céu e Copa estavam lado a lado. A capital paranaense não gastou pouco com estádio, ficou sem o eixo norte da Linha Verde, nada da readequação da Avenida Salgado Filho, o anel ferroviário virou lenda, assim como o metrô para deixar europeus admirados. Mas não faltará quem diga: "Entregamos em tempo as obras necessárias à realização do torneio (!?). Intervenções de infraestrutura não eram exigências da Fifa".
Não se pode esquecer que a eleição entrará na pauta. E ainda não se tem certeza do fator Copa nas urnas: trará ou afastará votos? Na dúvida, a classe política fará grande esforço para dizer que o Brasil "calou a boca dos pessimistas".
A Copa das Copas deixará dívidas, problemas e especialmente a sensação de perder a oportunidade de investir corretamente no país. Entristecido ou não, você será convencido que não dá para ter tudo e valeu a pena até não ter nada. É mais ou menos como organizar um churrasco. Tem-se a alegria de receber visitas, a satisfação de mostrar sua hospitalidade, mas não adianta reclamar que ficou uma pilha de louça para lavar. E neste caso, "por questões incapazes de diminuir a grandeza da festa", não reclame de ficar sem a carne.
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