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O futebol ritualiza a guerra, e portanto oficializa nosso direito ao xingamento, ao escárnio, ao desprezo, à ofensa – enfim, nosso direito à maldade. Nessa batalha de punhos erguidos, um herói é especial: o goleiro.

O goleiro é um personagem do avesso; no esporte dos pés, só ele usa as mãos. Seu habitat é um espaço gigantesco marcado por três traves brancas – quem vive ali sabe como é comprida a linha entre um poste e outro; cada metro é um quilômetro. O goleiro não tem liberdade; além do cercado físico marcado no chão, fora do qual ele não pode usar suas grandes mãos enluvadas, há o cercado psicológico de alguém que passa a vida sendo puxado para trás, calculando os passos em regras de três, a cada segundo conferindo o chão em que pisa e de onde não pode sair, exceto sob certeza absoluta. Dois passos adiante sob a curva de uma bola imprevista podem ser o seu fim.

Todos os colegas em campo têm permissão de errar, e erram muito, o tempo todo. Ciên­­cia inexata, o futebol é a festa do passe errado, do chute sem direção, da canelada voadora, da bola que sobe muito ou sobe pouco e que nunca está onde devia. O jogo inteiro é uma dança de erros, que aplaudimos entusiasmados – "Uhhh! Passou raspando!", gritamos felizes.

Mas o goleiro não tem esse crédito. O erro do goleiro é humilhante – não por acaso, é de joelhos que ele se arrasta na angústia de sua culpa, atrás de uma solução impossível. Dois bilhões de espectadores viram a bola escapar trágica e ridícula das mãos do inglês Robert Green, justo em sua estreia na Copa do Mundo, para escorrer sorrindo atrás da linha branca e pousar suave sob a rede. A câmara que devastou o seu rosto, com a expressão de uma estátua da Ilha de Páscoa, e que em seguida recortava sua triste silhueta contra a humanidade ululante e ridente, foi um dos mais belos momentos da Copa.

O pobre cronista, que passou a vida engolindo frangos depenados e imperdoáveis, catando cavaco na grama rala, compartilha aqui sua empatia pela dura solidão dos goleiros.

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