Dizer que o Atlético volta para casa nesta quarta-feira (16), quando enfrenta o Grêmio, a partir de 21 horas, no Couto Pereira, pode soar como heresia ao torcedor rubro-negro de hoje.
O time vai jogar no patrimônio do rival por causa do show do cantor inglês Rod Stewart na Arena da Baixada, quinta-feira (17). Até três décadas atrás, porém, estar em território alviverde não passava de uma simples constatação.
Tanto para a torcida quanto para os jogadores que frequentemente defendiam o Furacão no estádio do Coritiba.
“Dos 25 Atletibas que disputei na carreira, só um foi na Baixada. Foram dois ou três no Pinheirão. Todos os outros aconteceram no Couto. Então não tenho dúvida que aquele estádio era uma casa para nós”, atesta Nivaldo Carneiro, 60 anos, meia do Atlético nas décadas de 70 e 80.
ENQUETE: quem vai vencer o Atletiba?
“Todos os grandes jogos eram lá. Tenho lembranças muito boas, com dois títulos estaduais [1982 e 1983]. Também teve a partida contra o Flamengo, na semifinal do Brasileiro de 83, que teve o maior público do estádio [67.391 pessoas]. Não terminou como queríamos, com a classificação, mas vencemos e foi um jogo bonito”, segue.
Antes mesmo de Nivaldo chegar ao Furacão, em 1979, assistir ao time do coração atuar no Alto da Glória era fato comum para os atleticanos. Como o Joaquim Américo comportava um público pequeno e sequer tinha iluminação artificial, os duelos mais importantes eram quase sempre disputados na casa alviverde – que até 1977 era chamada de Belfort Duarte.
A Baixada, então, abrigava apenas partidas contra adversários de menor expressão, além de servir como local dos treinamentos. “Ninguém estranhava [jogar no estádio do rival], mas mudava toda a nossa sistemática. Saíamos do jogo e íamos em um bar perto do campo do Coritiba mesmo. Antes visitávamos os bares perto da Baixada”, recorda Barcímio Sicupira Júnior, 71, maior artilheiro da história do Furacão, com 154 gols.
Ao contrário do cenário atual, em que os clubes voltaram a ter uma relação mais próxima somente no início do ano, a boa relação entre as diretorias no passado não criava empecilho para o empréstimo do estádio. Em troca de 10% da renda, o Coxa abria as portas de casa para o coirmão sem pestanejar.
“Era outra época. Nós tínhamos amizade com o Evangelino [Costa Neves, presidente] e sábado comíamos feijoada juntos. Ficava fácil acertar”, explica o ex-dirigente Valmor Zimermann, 72, que acumulou diversos cargos no Atlético, entre eles de presidente na década de 80.
Carneiro Neto: a lenda do teto
No futebol paranaense o time de maior torcida passou décadas como um sem teto para os principais jogos. Como a velha Baixada era pequena, mal cuidada, mas muito amada, só servia para os jogos de menor envergadura. Nos clássicos e nas decisões de campeonatos o Atlético era forçado a jogar nos estádios dos adversários.
Leia a matéria completa“Nunca houve negociação emperrada. Não lembro de um único não”, corrobora Rodolfo Moser, 66, conselheiro e diretor de futebol atleticano nos anos 70. Moser chegou a morar na Rua 21 de Abril, a 100 metros da praça esportiva coxa-branca, e oferecia a garagem da sua casa para jogadores e dirigentes em dias de jogos.
Para os boleiros, além da possibilidade de contar com o apoio de mais torcedores, atuar no Couto Pereira era preferência da maioria por outro simples motivo.
O gramado era melhor do que o esburacado campo da Baixada. “Também tinha dimensões maiores, o que facilitava muito quando enfrentávamos equipes do interior, que vinham fechadas”, garante o zagueiro Alfredo Gottardi Jr, 70, que teve duas passagens pelo Rubro-Negro, entre 1961 e 1964 e 1966 a 1977.
Se os jogadores atleticanos se sentiam à vontade na casa do rival, a torcida também aceitava bem o fato de atuar longe da Baixada. Era a única opção, é verdade, mas nem por isso houve resistência. “Na época em que comecei a frequentar os jogos [década de 70] era como o estádio [do Coritiba] fosse a nossa casa”, relata o funcionário público José Ostaszewski, 50.
“Era um estádio que atendia bem a necessidade e a torcida aceitava bem a situação. É claro que lembro do concreto desconfortável, ainda mais se for colocar ao lado da Arena de hoje, mas era o que tinha de melhor”, reforça o empresário Sérgio Guenzen, 56, feliz pela retomada das relações entre rubro-negros e coxas-brancas.