Desde que aquele primeiro choro estoura no peito da gente, ainda na maternidade – sangue e outros mucos pingando em profusão, o berro inaugural da vida – sabemos que existem dois tipos de jogo neste terreno ardil do futebol: o comum, e o Atletiba.
Porque a malha de crenças, arrepios e incertezas do grande dérbi é colada na pele da gente ainda cedo, nos sussurros do pai ao pé do berço, nos afagos dos tios nos churrascos de domingo, nos papos dos recreios da escola.
Ainda moços, vamos ouvindo aquele fabulário todo, passado feito herança, e descobrindo que o jogo, na essência, é maior do que aquilo que acontece em campo. E vamos vendo, ainda pasmos com o tamanho daquilo, que o Atletiba é um ritual de passagem para a vida adulta, uma liturgia curitibana, celebrada à brasa e choro.
Com o tempo, vamos descobrindo que o dérbi, a rigor, se desenha em toda e cada rodada, mesmo quando Coritiba e Atlético encontram adversários diferentes. Em um campo jogam os verdes; no outro, longe dali, jogam os vermelhos. Mas em cada ouvido levamos um radinho diferente: metade da cabeça no jogo da gente, metade no jogo do outro.
A fina arte de secar, que é, sabemos todos, um direito retilíneo de todo torcedor.
Acontece que por misericórdia da tabela, essa sórdida compositora de destinos, três ou quatro datas por ano nos permitem um Atletiba mais íntimo e visceral – o duelo em si, o choque fatal entre uma grandeza e outra. E é sempre jogo de seis pontos, não importa a distância na tabela. Porque se um ganha, o outro perde inapelavelmente, sem vela pra acender nem santo pra agradar. E aí, ou são duas tragédias sobrepostas ou são duas graças acumuladas, todos os prazeres condensados.
Seja como for, vencendo ou perdendo, o Atletiba vai além da cancha. Invade as entranhas de todos nós e faz usucapião do coração da gente, esse músculo débil sempre entregue ao júbilo ou à desventura.
Eis que o tempo, com pressa, arrasta para cima da gente o dia seguinte, a segunda-feira fatídica. É quando sucede o irrefutável ritual do reencontro: a vida coloca frente a frente, nos escritórios, nas escolas, nas praças e nos becos, torcedores coxas-brancas e atleticanos, um tendo vencido, outro tendo perdido.
Ali, naquele campo aberto, homens faceiros e risonhos fazem a pilhagem de quem ficou pelo chão, fazem espólio do que ficou pelo caminho. E, com uma alegria de cadela prenha, abrem aquelas bocas fartas de dentes e riem feito hienas.
Os derrotados, na trincheira triste do vexame, só sabem esconder a cara e guardar silêncio, bravejando talvez uma ou outra barbaridade, reclamando do juiz, do beque ou de alguém que carregue a culpa.
E assim, tomada de assalto, a cidade inteira se faz rincão da zombaria, metade alegria, metade tristeza. De repente, já não há mais espaço para nenhuma outra conversa – em semana de Atletiba só fala em Atletiba.
*Velho Cronista é o alter ego de um escritor anônimo, criado no tempo em que o futebol era jogado de chuteiras pretas. Leia mais em http://velhocronista.com e acompanhe as fábulas pelo http://twitter.com/velhocronista
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