Brasil carrega para a Copa das Confederações e o Mundial de 2014 os piores números de distúrbios sociais relacionados ao esporte. Para especialistas, país pensou apenas em infraestrutura para receber eventos da Fifa, não no legado contra a intolerância
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Legado significa deixar algo para o outro. É o substantivo mais usado para justificar a vinda da Copa do Mundo para o Brasil em 2014. Por enquanto, um verbete esquecido quando o assunto é sociabilidade nas arquibancadas.
INFOGRÁFICO: Confira os números da violência entre torcedores no Brasil
Se em termos de estrutura haverá um salto, com a construção de novas arenas, no aspecto social a transformação segue o caminho inverso. Consenso entre especialistas da área.
"Nunca na história do Brasil tivemos tantos casos de intolerância no futebol. Pelo fato de a paixão clubística ser uma manifestação que acontece a partir da negação do outro [o rival], a intolerância da sociedade fica mais evidente nos estádios", avalia a professora e pesquisadora da Unicamp Heloísa Reis.
A contar pelo dado mais crítico quando uma rixa termina em morte , o Brasil acumula o maior número de óbitos por causa da bola. Só no ano passado, foram 23 comprovadamente ligados ao futebol. Desde 1988, quando foi registrado o primeiro homicídio (Cleo Sostenes, que foi um dos presidentes da organizada Mancha Verde, do Palmeiras, morto a tiros), o país contabiliza cerca de 160 mortes.
"A intolerância vem crescendo de várias formas, com agressões, ferimentos, vandalismo", endossa o sociólogo da Universidade Salgado de Oliveira (Universo) e autor do livro Para entender a violência no futebol, Mauricio Murad.
O coordenador do Núcleo de Estudos Futebol e Sociedade da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Luiz Carlos Ribeiro, explica que o problema não está no jogo em si. O professor vê uma faceta ligada à catarse (estado de descarga das emoções) do público. "A violência que repercute no futebol não é diferente da que está na sociedade", diz.
Murad elenca outras três causas que explicam por que as reações que resultam em agressões verbais ou físicas são cada vez mais frequentes nas arquibancadas: impunidade, drogas e falta de educação.
"Mais de 95% dos processos no país não são finalizados. Nas minhas pesquisas, é comum torcedores presos em flagrante dizerem que não vai dar em nada, sabem que não serão punidos", conta. "Encontrei, em São Paulo, indivíduos associados a facções organizadas de clubes rivais que se infiltram para vender drogas. Se aproveitam de um meio movido a paixão", segue. "Por fim, nos falta escolarização. Os não educados não têm solidariedade, são preconceituosos, intolerantes, não aceitam os que não compartilham suas preferências."
Ribeiro acrescenta outro agente que contribui para a violência no futebol. "As instituições que coordenam o futebol [como a CBF, Conmebol e Fifa] são absolutamente corruptas. Deveriam ser idôneas, responsáveis, éticas, mas são, talvez, o espelho quebrado da imagem do futebol", aponta, referindo-se ao baixo engajamento das instituições para a prevenção de incidentes.
Para a Copa do Mundo serão investidos R$ 1,88 bilhão em segurança sendo R$ 230 milhões específicos para ações de segurança pública, com aquisição de equipamentos, treinamentos, capacitação e fiscalização dos efetivos. Cifras que não dizem respeito ao drama nacional, pois serão para estratégias temporárias.
A tendência de elitização da torcida a começar por ingressos mais caros (nos últimos dez anos, o custo médio dos bilhetes subiu de R$ 9,50 para R$ 38) e planos de sócio-torcedores surge como única política de dirigentes para conter distúrbios.
O secretário extraordinário de Segurança para Grandes Eventos do Ministério da Justiça, Valdinho Caetano, diz que o modelo de trabalho conjunto de todos os órgãos de segurança e defesa aplicado na Copa do Mundo será outro ganho para o país.
"Esse planejamento em conjunto fará com que nossas equipes se acostumem a trabalhar juntas e isso ficará de legado para o povo brasileiro."
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