Os últimos 498 dias da vida de Narayana Cardozo, de 17 anos, não foram nada fáceis. Ela e seu namorado, Jéferson Roberto Padilha, 21, ainda se recuperam dos traumas físicos e psicológicos que o clássico do dia 30 de outubro de 2005 entre Atlético Paranaense e Paraná deixou marcado em seus destinos. Na ocasião, os jovens foram atingidos por balas de borracha durante um confronto entre torcedores paranistas e a Polícia Militar (PM) nas imediações da Arena da Baixada.
O tiro, disparado pelo cabo Cristiano Araújo Pedro, atingiu o olho esquerdo de Narayana e a boca de Padilha. Com a gravidade do ferimento, a adolescente teve de passar por duas cirurgias desde então. A primeira aconteceu em novembro de 2005 e foi de emergência, já que as dores no local atingido pelo artefato eram horríveis. No mês seguinte, a jovem passou por nova intervenção cirúrgica, na qual os médicos tentaram fazer com que a adolescente voltasse a enxergar com o olho atingido. Porém, o dano foi muito grande e pouco pôde ser feito, como conta o pai de Narayana, Sérgio B. Cardozo.
"Antes dessas cirurgias, ela ficava o dia inteiro vomitando de dor, e segundo os médicos isso acontecia por conta de um glaucoma que se formou e causava essas fortes dores de cabeça. Na época ela chegou a ter de usar seis colírios, e hoje passou a usar só dois, graças a Deus", contou o pai da adolescente. Ainda segundo o patriarca da família Cardozo, o pior já passou, mas resquícios do trágico incidente permanecem. "Até hoje ela chora com o que aconteceu, sabe como é, uma coisa horrível dessas acontecer com uma menina de lindos olhos azuis, de 16 anos, e que se sente complexada como a maioria das jovens, é complicado. Ela sempre falou que os olhos eram a parte do corpo que ela mais gostava", desabafou.
Conseqüências
Depois das cirurgias, Narayana conseguiu recuperar apenas 10% da visão no olho esquerdo. "Os médicos tentaram colocar uma lente de grau, já que ela perdeu a íris e o olho azul. Mas essa lente estética pouco ajudou, ela tem entre 5% e 10% de visão apenas, e uma miopia de 16,5 graus. Além disso, o olho ficou preto, e isso é algo que ela lamenta muito. Pra ajudar, ela já tinha uma miopia de 2,5 graus no olho direito, que pode aumentar, já que ela tem que forçar muito essa vista para enxergar", explicou o pai de Narayana. Uma última cirurgia desta vez estética ainda está prevista para acontecer. "Ela ficou com a pálpebra caída, mas o médico ainda não definiu quando isso (a cirurgia) vai ser feito".
Na família, as conseqüências também são sentidas até hoje. "Olha, se não fosse a minha mulher e ela, eu acho que não teria agüentado tudo isso. A nossa vida de lá para cá mudou muito, eu cheguei a ficar doente, peguei uma gastrite nervosa. Depois de tudo isso, ela foi muito forte, e estamos retomando a nossa vida aos poucos. Ainda está muito recente a pior fase, quando eu vinha pro serviço e ficava com medo do telefone tocar, e a minha esposa falar que a nossa filha estava sentindo dor", relembrou Sérgio Cardozo.
Faculdade é o próximo passo
Mesmo com as limitações que a bala de borracha causou em sua visão, Narayana não deixou de gostar de futebol, ir em jogos e tocar a sua vida. Prova disso é que a adolescente já faz o último ano do ensino médio e pensa em prestar vestibular no fim deste ano. "Ela quer fazer Engenharia Mecânica na Federal (Universidade Federal do Paraná) e Arquitetura no Cefet (Universidade Tecnológica Federal do Paraná)", disse o pai da jovem.
Além disso, Narayana e Jéferson seguem juntos até hoje. "Acho que o que aconteceu com eles fortaleceu o namoro dos dois. Ele é um rapaz de caráter", comentou Cardozo. O pai da adolescente garante que nunca mais voltará a pisar na Arena da Baixada, tamanho foi o trauma que ficou do incidente. Entretanto, Sérgio Cardozo assegura que ainda freqüenta os jogos do Paraná, menos clássicos. "Ela gosta de futebol, não tem jeito. Até assinei o pay-per-view, mas ela sempre pede pra ir no estádio e por isso temos ido em alguns jogos. Neste próximo na Libertadores (contra o Flamengo), nós iremos".
Cabo segue trabalhando na PM
Após tanto tempo, o cabo Cristiano Araújo Pedro segue trabalhando na PM. O inquérito militar já foi concluído, de acordo com a Secretaria Estadual de Segurança (Sesp), mas a Vara da Auditoria da Justiça Militar Estadual ainda não julgou o caso. Na época do incidente, o policial militar trabalhava no setor de Rondas Ostensivas Tático Motorizadas (Rotan), e atualmente exerce sua função no Batalhão de Choque.
Outra ação que ainda não foi apreciada pela justiça foi a impetrada pelo pai de Narayana. "O processo (de danos morais e materiais) está rolando, mas por enquanto nada foi julgado, nem valores foram estipulados", concluiu Cardozo.
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