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Garrincha na mesa de sinuca com Roberto Carlos: o anjo das pernas tornas era o símbolo do malandro dentro e fora de campo | Arquivo/Agência O Globo
Garrincha na mesa de sinuca com Roberto Carlos: o anjo das pernas tornas era o símbolo do malandro dentro e fora de campo| Foto: Arquivo/Agência O Globo

O patrono tirou a cartola e deu lugar ao gestor

Futebol e carnaval já estiveram ligados diretamente nos bastidores. Relação que teve como principal nome Castor de Andrade, rei do jogo do bicho no Rio, patrono da escola de samba Mocidade Independente e presidente de honra do Bangu.

Castor herdou do pai, Euzébio de Andrade, presidente do Bangu de 1963 a 68, a paixão por um dos times mais tradicionais do Brasil, fundado em 1904. Legou também o império da contravenção e, apoiado pela fortuna com o jogo de azar, transformou o Alvirrubro em potência no início dos anos 80 – vice-campeão brasileiro em 1985, derrotado pelo Coritiba.

"Era comum falarem que ‘o senhor é meu Castor e nada nos faltará’. Foi alguém muito significativo no Bangu", diz Rita de Cássia, presidente do clube de 2004 a 2006.

São inúmeras as lendas, e verdades, envolvendo o "Doutor" Castor. Ficaram famosas as "segundas-feiras sem lei", festas promovidas pelos jogadores do Bangu nos dias seguintes às vitórias, patrocinadas com montanhas de dinheiro oferecidas pelo dirigente. A reputação de Castor, falecido em 1997, fez dele o arquétipo do cartola folclórico do futebol, mistura de mecenas, de espírito paternalista nas vitórias, e fúria implacável nas derrotas.

Tais personagens, que renderiam bons sambas-enredos, recheados de louvações e passagens consideradas extraordinárias, foram sendo escanteados ao longo dos anos. Nos últimos dez, acabaram substituídos por dirigentes com vocação empresarial. Para o futebol moderno, presidente "apaixonado" pelo clube possui destaque só no organograma.

"É um movimento que começou lá no início dos anos 90, com a entrada da Parmalat no futebol do Palmeiras", aponta Amir Somoggi, consultor de marketing e gestão esportiva.

"Futebol não é mais para amadores. No Atlético-MG temos orçamento anual de R$ 250 milhões. O clube tem diretores remunerados em todas as áreas. Os presidentes, que geralmente têm empresas e não são remunerados, podem assumir caráter institucional", diz Eduardo Maluf, diretor de futebol do Galo.

Apesar disso, de acordo com Somoggi, a administração no esporte nacional ainda se assemelha aos cartolas de antigamente. "Ainda estamos engatinhando nesse processo. Embora exista a preocupação com a gestão, muitas das decisões ainda são tomadas de forma amadora".

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O carnaval também se distanciou do futebol no comportamento dos atletas. Da avenida e do samba, os boleiros ainda gostam. A imagem de jogador "malandro", porém, pega mal em tempos de exploração da imagem e profissionalização total.

Veja algumas imagens que representam a parceria entre futebol e Carnaval

"Atualmente todos se parecem muito iguais, falta personalidade própria. Há uma cobrança muito maior, assessores em cima, gente que fica vigiando e tolhendo as vontades dos jogadores", afirma o ex-atacante e treinador Renato Gaúcho, assíduo frequentador do carnaval carioca.

"Eu aproveitava mesmo o carnaval, desfilava na avenida, mas me garantia. No dia seguinte, se fosse o caso, estava treinando e botando tudo para fora. Hoje o jogador não se garante e fica preocupado com o que vão dizer se o virem por aí", diz Renato.

Com a proliferação dos smartphones e as redes sociais, um descuido dos atletas pode ser fatal para a imagem perante o torcedor. No caso das estrelas, ainda pesam contratos de patrocinadores e a pressão dos empresários. Preocupação que resulta em atitudes robotizadas, como as do atacante Neymar, e faz outros assumirem a condição de jogador bonzinho, como o zagueiro David Luiz, fenômeno de popularidade na Copa-2014, o preferido das crianças.

Quem também critica a mudança de postura dos atletas é Barcímio Sicupira. O maior artilheiro da história do Atlético, com 157 gols, tinha apreço igual ao de Renato pela madrugada. De 1964 a 67 passou pelo Botafogo, época em que dividiu o vestiário com lendas como Gerson e Garrincha, e constatou a paixão dos atletas pela folia.

"O jogador de antigamente era um pouco mais livre. Quase todo mundo gostava de carnaval, a maioria desfilava. Infelizmente, passei só um no Rio. Fui pegar gosto pela festa depois, quando já havia parado de jogar", diz o comentarista da Rádio Banda B.

No início dos anos 80, Sicupira foi convidado por Charrão, ex-companheiro de Rubro-Negro, para integrar a escola de samba curitibana Mocidade Azul. Também foi jurado da "Bem Bolada" (concurso que elegia a melhor garota da noite da capital) e de concurso de fantasia.

Uma mudança geral no cenário também empurrou os boleiros para longe dos ritmos da principal festa brasileira. "O Brasil ficou mais pop, surgiu o funk, o sertanejo universitário e congêneres, houve uma diluição e os jogadores passaram a curtir todo tipo de música", aponta Beto Xavier, jornalista e autor do livro Futebol no país da música.

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