Desfile das delegações na abertura dos Jogos Olímpicos| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

O secretário nacional da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), o ex-judoca e campeão olímpico Rogério Sampaio, admitiu em entrevista ao jornal O Globo que os atletas brasileiros ficaram sem ser testados contra doping durante exatos 32 dias antes do início dos Jogos Olímpicos. Sampaio foi nomeado ao cargo na ABCD, vinculada ao Ministério do Esporte, em 1.º de julho, e assumiu a função no dia 7.

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O ex-judoca culpou a gestão de seu antecessor, Marco Aurelio Klein, por não ter conduzido um processo licitatório para selecionar um laboratório credenciado junto à Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês), durante o período em que o Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem (LBCD) ficou com o credenciamento suspenso. Essa suspensão, resultado de um falso positivo, durou um mês. Para o novo secretário, Klein deve explicar por que decidiu diminuir o controle.

O LBCD, localizado no Polo de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), voltou a ser habilitado pela Wada na véspera da chegada das primeiras delegações de atletas. Desde 24 de julho, LBCD e Comitê Olímpico Internacional (COI) são os responsáveis por todos os testes de doping feitos durante os Jogos Olímpicos.

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O laboratório contou com pesados investimentos da União, mas é independente da ABCD. Estavam previstos 6 mil exames durante o período de competições. Depois, o COI disse que serão feitos 4 mil testes até o fim do evento. Durante o hiato no funcionamento, o governo brasileiro não buscou outra unidade com viabilidade para a realização dos exames, como confirmou Sampaio.

Controle

Sampaio é filiado ao PMDB e tem pretensões eleitorais. Chegou ao cargo de autoridade máxima de controle do doping no Brasil pelas mãos do atual ministro do Esporte, Leonardo Picciani, deputado que liderou o PMDB na Câmara antes da função no Executivo. Picciani virou ministro depois do afastamento de Dilma Rousseff da Presidência em 12 de maio, com a admissão do processo de impeachment no Senado.

Em entrevista ao jornal “Lance!” publicada no início deste mês, um ex-consultor da ABCD, o português Luís Horta, acusou a nova gestão da entidade de tirar o pé do acelerador do controle de dopagem. A acusação se estendeu ao Comitê Olímpico do Brasil (COB). Governo e COB estavam interessados em ampliar a quantidade de medalhas na Olimpíada no Rio, “sejam elas limpas ou não”, nas palavras do ex-consultor.

O secretário da ABCD disse que, na verdade, passou esses 50 dias de gestão buscando soluções para resolver os graves entraves existentes até então para viabilizar o controle de dopagem durante a Olimpíada. O principal deles foi a suspensão do LBCD pela Wada. Sampaio explicou uma das razões que acabaram levando à suspensão:

“O laboratório recebeu um grande investimento do governo federal, primeiro na obra que ampliou as instalações, depois na aquisição dos equipamentos, os mais modernos do mundo. Na instalação desses equipamentos, acabou dando um pequeno problema na aferição. Uma das análises não saiu com o resultado que tinha de dar. O importante é que o próprio laboratório comunicou o ocorrido.’

Depois, o secretário precisou viabilizar contratos para garantir a realização de testes de atletas instalados fora do Rio, na fase de treino. A ABCD ficou com essa responsabilidade e havia uma previsão de que 200 testes fossem feitos.

“Para fazermos esse controle, deveria ter sido feito um processo licitatório para contratar um outro laboratório. Em um tempo curto, como se faz isso? Eu não tive tempo. Talvez se tivesse sido feito a partir do dia 22 de junho, dia da suspensão do credenciamento, isso seria possível”, disse o secretário, campeão olímpico no judô em 1992.

Contatado pelo Globo, Klein afirmou que a suspensão oficial do LBCD não se deu no dia 22, mas no dia 27, e que portanto não haveria tempo hábil para fazer uma licitação. Ele preferiu não comentar as outras declarações do atual secretário.

Mesmo sem os testes no mês anterior, Sampaio afirmou não ter dúvidas: para ele, os atletas brasileiros foram testados suficientemente e não há razões para desconfiança em relação às medalhas conquistadas na Olimpíada.

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“Colocar em risco a qualidade dos nossos atletas, o valor das nossas medalhas, por conta de no último mês não terem sido testados, é temerário e não é correto. Já fui atleta e sei que nem todos os que estão aqui nos Jogos, mais de 10 mil, foram testados no último mês”.

O risco de um brasileiro ser pego em doping é o mesmo que corre um atleta de qualquer país, segundo o secretário da ABCD. Em dois momentos na entrevista, Sampaio afirmou que o controle não pode ser comparado com uma atividade policial.

“É importante que os atletas consigam enxergar que o controle de doping não vem como trabalho de polícia. ‘Viemos aqui para ver quem é que está se dopando!’ Não é isso. Não podemos ter um controle assim, a não ser que o outro lado me dê algum indício para que seja dessa maneira.”

O órgão federal, reconhecido como única autoridade antidopagem no país após decreto assinado pela então presidente Dilma Rousseff e publicado em março no Diário Oficial, teve dificuldade para confirmar quantos exames antidoping foram feitos em 2015. Somente após pedido do Globo, a assessoria de Sampaio localizou informações sobre esses procedimentos e alegou que os números não haviam sido computados.

Assim, já com os novos números, a ABCD informou que em 2015 foram realizados 1.410 testes (urina e sangue), sendo 929 em competição e 430 fora de competição, além de iniciados 21 passaportes biológicos (também fora de competição). Em 2016, esse número aumentou: de janeiro a julho, foram feitos 2.227 testes, sendo que 1.257 em competição e 922 de surpresa e mais 48 passaporte biológicos (fora de competição). A meta para 2016 é a realização de 3,5 mil testes (4 mil em 2017).

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Denúncias, por enquanto, estão congeladas

Além disso, a ABCD recebe em média de duas a três denúncias de doping por mês, formuladas por atletas ou treinadores. As denúncias recebidas na gestão de Sampaio estão em apuração e, no caso de uma delas, o material já foi recolhido e armazenado num freezer da própria ABCD — o LBCD está 100% em uso para a Olimpíada. Segundo o secretário, os suspeitos não são atletas que estão competindo nos Jogos Olímpicos, mas que atuam em modalidades olímpicas.

“Muitas vezes as denúncias dizem respeito a uma equipe. Os e-mails vêm bem detalhados e são completamente sigilosos. Só meu chefe de gabinete e eu temos acesso. A gente espera a primeira oportunidade para fazer o controle de dopagem, fora e dentro da competição”, afirmou Sampaio.

O secretário também relatou existir pressão de atletas e confederações junto ao superintendente-executivo do COB, Marcus Vinicius Freire, de quem ele diz ser amigo pessoal:

“O Marcos Vinicius tem momentos em que é pressionado por alguns atletas e confederações, não porque tivessem a intenção de se utilizar de algumas substâncias, mas estão preocupados com seu resultado e com seu treinamento. Às vezes pegam o telefone e ligam para ele. Tenho uma relação de amizade com ele, que nunca pegou o telefone e ligou pedindo para mim: ‘Faz isso, faz aquilo’”, disse.

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Questionado se atletas já ligaram para ele para reclamar do controle de dopagem, Sampaio respondeu:

“Para mim, não, pois eu estou há muito pouco tempo. Mas é preciso saber que o atleta também levanta de mau humor. Isso faz parte. O cara levanta, faz seu xixizinho, mas pega o telefone e reclama com um, que reclama com outro”.

Quando era judoca, na década de 1990, Sampaio não enfrentou o nível de controle existente hoje. Ele lembrou que deixou o esporte em 1998, seis anos depois de ganhar medalha de ouro na Olimpíada de Barcelona, e que a Wada só foi criada em 1999.

“Fui atleta numa outra época. Naquele tempo a gente nem tinha o controle de dopagem fora do período de competição. Por essas situações, eu não passei. O período de descanso para mim era sagrado. A coisa que você menos queria no descanso era que tocasse o telefone.”